quinta-feira, 15 de julho de 2010

Situação Brasil

O Brasil é alvo de uma ofensiva do grande capital, articulado pelas empresas transnacionais e pelos bancos, dentro de uma aliança com os latifundiários capitalistas, que criaram um modelo de organização da agricultura, chamado de agronegócio.

A partir da segunda metade da década de 90 - e mais ainda depois da crise do capitalismo internacional -, grandes corporações internacionais, financiadas pelo capital financeiro, passaram a avançar sobre a agricultura brasileira: terras, água e sementes, produção e industrialização de alimentos e na comercialização de agrotóxicos.

Nesse processo, o agronegócio tenta impedir o desenvolvimento da pequena agricultura e da Reforma Agrária e consolidar o seu modelo de produção, baseado na grande propriedade, monocultura, expulsão da mão-de-obra do campo com o uso intensivo de máquinas, devastação ambiental e na utilização em grande escala de agrotóxicos.

Compra de terras por empresas estrangeiras

Dados do Incra apontam que nos últimos anos foram vendidos pelo menos 4 milhões de hectares para pessoas e empresas estrangeiras. Isso prejudica os interesses do povo brasileiro e debilita a soberania nacional sobre os nossos recursos naturais. O governo federal demonstrou preocupação com essa ofensiva, até porque as empresas usam subterfúgios para desrespeitar a legislação em vigor. Um diretor da empresa finlandesa de papel e celulose Stora Enso admitiu que criou uma empresa no Brasil para burlar a lei, comprar ilegalmente 46 mil hectares na fronteira sul do país e implantar o monocultivo de eucalipto.

Só no setor sucro-alcooleiro, por exemplo, empresas transnacionais já compraram 30% de todas as usinas com suas fábricas e terras. No entanto, isso ainda não aparece nos cadastros do instituto, que apresenta números sub-estimados. Esperamos que o governo cumpra a sua promessa e aprove o quanto antes a Proposta de Emenda Constitucional (PEC) para impedir a compra de terras por estrangeiros, inclusive com a anulação dos títulos das terras já vendidos.

Arroz transgênico da Bayer

Nas últimas semanas, o agronegócio tenta avançar com seu projeto para a agricultura brasileira em duas frentes: mudanças no Código Florestal Brasileiro e na liberação do arroz transgênico. Enquanto a flexibilização da lei ambiental viabiliza o desmatamento para a expansão do agronegócio, os transgênicos passam o controle das sementes dos agricultores para a propriedade privada de cinco empresas transnacionais. Com isso, Bayer, Basf, Monsanto, Cargill e Syngenta criam patentes e impõem os royalties àqueles que produzem.

Os movimentos camponeses, ambientalistas e entidades de direitos humanos tivemos uma vitória importante com a pressão social e política contra a liberação do arroz da Bayer, que retirou a proposta da pauta de votação da Comissão Técnica Nacional de Biossegurança (CTNBio), nesta quinta-feira. Essa variedade de arroz, por causa do consumo popular, não está liberada em nenhum país do mundo - nem nos Estados Unidos nem na Alemanha (país de origem da Bayer). Felizmente, No entanto, foi um recuou momentâneo da transnacional das suas pretensões e precisamos ficar atentos para acompanhar as suas movimentações.

A aprovação do arroz transformaria o Brasil em uma cobaia. Os impactos de liberação da transgenia no arroz, que está na mesa dos brasileiros no almoço e no jantar, seriam extremamente negativos. Em primeiro lugar, não há estudos que atestem que não há prejuízos à saúde humana do consumo de transgênicos.

Em segundo lugar, os produtores de arroz tradicional poderão ter suas colheitas contaminadas pelo arroz Liberty Link. Nos Estados Unidos, testes contaminaram pelo menos 7 mil produtores de arroz, que processam a Bayer pelos prejuízos. Com isso, poderíamos ter a conversão de todas as lavouras tradicionais de arroz em transgênicas. Além disso, mesmo sem comprar essas sementes, os camponeses teriam que pagar royalties à empresa alemã.

Em terceiro lugar, aumentaria a utilização de venenos nas lavouras do nosso país, que utilizou 1 bilhão de litros no ano passado, ocupando o primeiro lugar no ranking mundial. Há pesquisas que demonstram que o glufosinto, utilizado nas pulverizações da variedade desenvolvida pela Bayer, é tóxico para mamíferos e pode dificultar a atividade do cérebro humano.

O médico Wanderlei Antonio Pignati, doutor em saúde e ambiente, pesquisador da Fiocruz e professor da Universidade Federal do Mato Grosso explica que as grandes indústrias fazem sementes dependentes de agrotóxicos e fertilizantes químicos porque também são produtoras desses venenos.

O recuo da Bayer representa uma pequena vitória da sociedade brasileira, principalmente porque demonstra que é possível enfrentar e impor derrotas às empresas transnacionais.

Mudanças no Código Florestal

Em relação ao Código Florestal, a votação do relatório apresentado pelo deputado federal Aldo Rebelo (PCdoB-SP) está prevista para o começo de julho. O texto do projeto de lei beneficia os latifundiários do agronegócio, com a abolição da Reserva Legal para agricultura familiar, a possibilidade de compensação fora da região ou da bacia hidrográfica e a transferência da responsabilidade de definição da legislação ambiental para os Estados e Municípios.

Mais preocupante para a Reforma Agrária é a anistia a todos os produtores rurais que cometeram crimes ambientais até julho de 2008. Áreas que não cumprem a função social e, de acordo com a Constituição, deveriam ser desapropriadas e destinadas para os trabalhadores rurais sem-terra, continuarão nas mãos dos latifundiários. Ou seja, com a aprovação do novo código, o Congresso Nacional modificará a Constituição apenas para atender os interesses daqueles que monopolizam as terras em nosso país.

Enquanto as empresas do agronegócio comemoram discretamente, os ruralistas estão eufóricos com a possibilidade de legitimar o desmatamento já realizado e abrir a fronteira agrícola sobre as nossas florestas e áreas de preservação. O que não se esperava mesmo era que os setores mais conservadores encontrassem nesse ponto um apoiador fora do ninho, que mereceu até mesmo elogios da senadora Kátia Abreu (DEM), que há pouco tempo tentava se cacifar para ser candidata a vice-presidente de José Serra (PSDB). Uma vez que Kátia Abreu, presidente da Confederação Nacional da Agricultura (CNA) e porta-voz do setor mais reacionário dos latifundiários, é a principal defensora dessas mudanças, fica evidente quem se beneficiará com as propostas do deputado Aldo Rebelo.

Até agora, muitas vozes se levantaram contra essa proposta, como as igrejas, entidades ambientalistas, parte importante do movimento sindical e movimentos populares, especialmente a Via Campesina Brasil, que manifestaram repúdio ao projeto. Um abaixo-assinado colheu milhares de assinaturas para sensibilizar o Congresso, parlamentares progressistas pediram vistas ao relatório e o Ministério do Meio Ambiente se colocou contra as propostas. O próprio governo, cujo o partido político do deputado Aldo Rebelo compõe a base parlamentar, veio a público para criticar o projeto.

Esperamos que a pressão da sociedade consiga evitar a destruição da legislação ambiental e a devastação do conceito de função social da propriedade, que determina a realização da Reforma Agrária. Em vez de acabar com o Código Florestal, precisamos manter os seus princípios e aperfeiçoá-lo, preservando a natureza em benefício de toda a população e das gerações futuras.

Fonte:Ecologia Gráfica e SECRETARIA NACIONAL DO MST

quinta-feira, 24 de junho de 2010

Palavras do Dalai Lama


· Dê mais às pessoas, MAIS do que elas esperam, e faça com alegria.
· Decore seu poema favorito.
· Não acredite em tudo que você ouve, gaste tudo o que você tem e durma tanto quanto você queira.
· Quando disser "Eu te amo" olhe as pessoas nos olhos.
· Fique noivo pelo menos seis meses antes de se casar.
· Acredite em amor à primeira vista.
· Nunca ria dos sonhos de outras pessoas.
· Ame profundamente e com paixão.
· Você pode se machucar, mas é a única forma de viver a vida completamente.
· Em desentendimento, brigue de forma justa, não use palavrões.
· Não julgue as pessoas pelo seus parentes.
· Fale devagar mas pense com rapidez.
· Quando alguém perguntar algo que você não quer responder, sorria e pergunte: "Porque você quer saber?".
· Lembre-se que grandes amores e grandes conquistas envolvem riscos.
· Ligue para sua mãe.
· Diga "saúde" quando alguém espirrar.
· Quando você se deu conta que cometeu um erro, tome as atitudes necessárias.
· Quando você perder, não perca a lição.
· Lembre-se dos três Rs: Respeito por si próprio, respeito ao próximo e responsabilidade pelas ações.
· Não deixe uma pequena disputa ferir uma grande amizade.
· Sorria ao atender o telefone, a pessoa que estiver chamando ouvirá isso em sua voz.
· Case com alguém que você goste de conversar. Ao envelhecerem suas aptidões de conversação serão tão importantes quanto qualquer outra.
· Passe mais tempo sozinho.
· Abra seus braços para as mudanças, mas não abra mão de seus valores.
· Lembre-se de que o silêncio, às vezes, é a melhor resposta.
· Leia mais livros e assista menos TV.
· Viva uma vida boa e honrada. Assim, quando você ficar mais velho e olhar para trás, você poderá aproveitá-la mais uma vez.
· Confie em Deus, mas tranque o carro.
· Uma atmosfera de amor em sua casa é muito importante. Faça tudo que puder para criar um lar tranquilo e com harmonia.
· Em desentendimento com entes queridos, enfoque a situação atual.
· Não fale do passado.
· Leia o que está nas entrelinhas.
· Reparta o seu conhecimento. É uma forma de alcançar a imortalidade.
· Seja gentil com o planeta.
· Reze. Há um poder incomensurável nisso.
· Nunca interrompa enquanto estiver sendo elogiado.
· Cuide da sua própria vida.
· Não confie em alguém que não fecha os olhos enquanto beija.
· Uma vez por ano, vá a algum lugar onde nunca esteve antes.
· Se você ganhar muito dinheiro, coloque-o a serviço de ajudar os outros, enquanto você for vivo. Esta é a maior satisfação de riqueza.
· Lembre-se que o melhor relacionamento é aquele em que o amor de um pelo outro é maior do que a necessidade de um pelo outro.
· Julgue seu sucesso pelas coisas que você teve que renunciar para conseguir.
· Lembre-se de que seu caráter é seu destino.
· Usufrua o amor e a culinária com abandono total.

Fonte: Pensador

segunda-feira, 10 de maio de 2010

Um imã espiral


Assim chamada em homenagem a Pierre de Fermat que a estudou em 1636, quando tinha apenas 25 anos de idade, a "espiral de Fermat" (igualmente conhecida como uma espiral parabólica) é um tipo da espiral Archimedean. Em phyllotaxis do disco (girassol, margarida), a malha das espirais ocorre em números de Fibonacci porque a divergência (ângulo da sucessão em um único arranjo espiral) aproxima a relação dourada. A forma das espirais depende do crescimento dos elementos gerados sequencialmente. Em phyllotaxis do maduro-disco, quando todos os elementos são o mesmo tamanho, a forma das espirais é aquela de espirais-ideal de Fermat. Isso é porque a espiral de Fermat atravessa anéis iguais em voltas iguais.

sábado, 8 de maio de 2010

The Whirling Dervishes

Aforismas

Aforismas de Gurdjieff:

* Ame o que você "não ama".
* Para o homem a mais alta realização é ser capaz de fazer.
* Quanto piores as condições de vida, melhores serão os resultados do trabalho - contanto que nos lembremos continuamente do trabalho.
* Lembre-se de você mesmo, sempre e em toda parte.
* Lembre-se de que você veio aqui, porque compreendeu a necessidade de lutar contra si mesmo. Agradeça, portanto, a quem lhe proporcione a ocasião para isso.
* Aqui podemos dar uma direção e criar condições - mas não ajudar.
* Saiba que esta casa só pode ser útil aos que reconheceram sua nulidade e crêem na possibilidade de mudar.
* Se você sabe que isto é mal e, apesar de tudo, o faz, comete um pecado difícil de redimir.
* O melhor meio de ser feliz nessa vida é poder considerar sempre exteriormente - nunca interiormente.
* Não ame a arte com seus sentimentos.
* O verdadeiro sinal de que um homem é bom, é ele amar seu pai e sua mãe.
* Julgue os outros conforme o que você é e raramente se enganará.
* Só ajude aquele que não é um ocioso.
* Respeite todas as religiões.
* Amo aquele que ama o trabalho.
* Podemos somente nos esforçar para nos tornarmos capazes de ser Cristãos.
* Não julgue um homem pelo que contam dele.
* Leve em conta o que as pessoas pensam de você - e não o que dizem.
* Junte a compreensão do Oriente e o saber do Ocidente - e, em seguida, busque.
* Só aquele que puder zelar pelo bem dos outros merecerá seu próprio bem.
* Só o sofrimento consciente tem sentido.
* Vale mais ser temporariamente um egoísta do que nunca ser justo.
* Se quiser aprender a amar, comece pelos animais; eles são mais sensíveis.
* Ensinando aos outros, você mesmo aprenderá.
* Lembre-se de que aqui o trabalho não é um fim em si mesmo. É apenas um meio.
* Só pode ser justo quem sabe se pôr no lugar dos outros.
* Se você não for dotado de espírito crítico, sua presença aqui é inútil.
* Aquele que tiver se libertado da "doença do amanhã" terá uma chance de obter o que veio procurar aqui.
* Feliz aquele que tem uma alma. Feliz aquele que não a tem. Infelicidade e sofrimento para aquele que só tem a semente dela.
* O repouso não depende da quantidade, mas da qualidade do sono.
* Durma pouco, sem se queixar.
* A energia gasta para um trabalho interior ativo se transforma imediatamente em nova reserva. A que é gasta para um trabalho passivo se perde para sempre.
* Um dos melhores meios de despertar o desejo de trabalhar sobre si mesmo é tomar consciência de que a gente pode morrer de uma hora para outra. E isso, é preciso aprender a não esquecê-lo.
* O amor consciente desperta o mesmo em resposta. O amor emocional provoca o contrário. O amor físico depende do tipo e da polaridade.
* A fé consciente é liberdade. A fé emocional é escravidão. A fé mecânica é estupidez.
* A esperança inquebrantável é força. A esperança mesclada de dúvida é covardia. A esperança mesclada de temor é fraqueza.
* Ao homem é dado um número limitado de experiências - se ele não as desperdiçar, prolongará sua vida.
* Aqui não há russos, nem ingleses; nem judeus, nem cristãos. Há somente homens que perseguem a mesma meta: se tornarem capazes de ser.

sexta-feira, 7 de maio de 2010

Haxixe, Sufis e Islã


poema do "místico do amor" sufi Mawlānā Jalāl-ad-Dīn Muhammad Rūmī

Por Chema Ferrer Cuñat, coordenador da revista “El Trotamundos”, em LOS TEMPLARIOS Y LA SECTA DE LOS ASESINOS, págs. 405-431. In: “Codex Templi – Los mistérios templarios a La luz de La historia y de La Tradición”. Coord: Fernando Arroyo Durán. Madrid, Santillana – Aguilar, 2005.

“(...) O fundador da seita dos Assassinos, em 1090, foi o carismático Hasan al Sabbah, conhecido como ‘O Velho da Montanha’.
A chamada ‘seita dos hashshashin’ ou Assassinos derivou do ismaelismo (xiismo septimano) e das doutrinas dos sufis, consideradas desviadas e heréticas pelo Islã. Estavam também imbuídos do esoterismo grego-alexandrino, ou seja, o hermetismo e o neoplatonismo. Tal foi sua fama que, até o mesmíssimo Marco Polo (c.1254-1324) relatava a Rastichello de Pisa, o escritor que plasmou suas viagens no ‘Livro das Maravilhas do Mundo’, quem eram aqueles misteriosos cavaleiros islâmicos. Foi tanta sua popularidade, por cometer crimes e magnicídios entre os mais relevantes personagens de seu tempo, que, segundo outras teorias, o apelativo de hashshashin ou hashashiyyin (comedores de haxixe ou drogados de haxixe) derivou até o conceito de ‘assassino’. Apesar de que o significado deste vocábulo estava vinculado aos ‘comedores de erva’, a fama daquela gente variou o sentido que se deu na Europa: em numerosas línguas ocidentais, um ‘assassino’ é o criminoso que comete um homicídio. Cabe assinalar, entretanto, que aos membros desse exército secreto eram também chamados ghulat (fanáticos) por seus inimigos, e que no Ocidente foram conhecidos como Assassinos, o que não lhes faz justiça de todo. Parece que Marco Polo se confundiu ao ouvi-los chamar hashshashin. Acreditou o célebre viajante e comerciante veneziano que tal denominação se devia a que seu cruel fanatismo era estimulado pelo consumo de haxixe. Daí se deriva, em várias línguas românicas, a palavra ‘assassino’. Mas a verdade parece ser outra. Se acreditamos no grande escritor de origem libanesa Amin Maalouf, em seu livro magistral Samarcande, a palavra provém da forma como Hasan al Sabbah costumava chamá-los: assasiyoum, ou seja, fiéis ao Assa, ou seja, ao Fundamento da Fé. Eram também chamados os fidai, ou seja ‘os que se sacrificam’. Portanto, uma forma mais correta de chamá-los seria assassis ou assacis.
(...)
O chamado ‘haxixe’ é uma concentração de pólen extraído das flores da planta do cânhamo. Dependendo da variedade concreta da planta, concentra em maior ou menor medida umas substâncias chamadas ‘canabinóides’, de poderosos efeitos alucinógenos.
A relação do cânhamo e seus derivados com os povoadores da Ásia tem origens ancestrais e ainda se discute se foi esta planta ou o trigo a primeira que se utilizou quando nasceu a agricultura. Não é pouco dizer que a tradução da palavra árabe hashish é a mesma que ‘erva’. Do cânhamo se extraíam fibras com as quais se confeccionavam tecidos muito resistentes; esmagado e formando espessa pasta se fabricava o papel: a cidade de Biblos (Síria) se fez famosa por sua qualidade e monopólio inicial; com o cânhamo se trançavam cordas; da moenda de suas sementes se extraía farinha e de sua prensa, um óleo muito nutritivo. Suas florações se utilizavam em práticas terapêuticas e religiosas: desde os ritos xamânicos das sociedades mais primitivas, até os cerimoniais mais sofisticados das religiões persa e bramânicas.
Os árabes conheceram a farmacopéia derivada do cânhamo e seu uso como droga do ócio através dos botânicos e médicos gregos; este singular produto chegava da Índia através da Rota das Especiarias. As traduções ao árabe de autores como Dioscórides ou Galeno permitiram que as elites muçulmanas conhecessem as propriedades daquela planta; mas será no século X que o mundo árabe adquirirá o conhecimento mais profundo sobre as aplicações do cânhamo. Neste impulso teve muita participação a tradução de um livro escrito em aramaico, intitulado ‘Agricultura Nabatéia’.
Mas, que ensinava a doutrina do Islã a respeito deste tipo de substâncias? Os ensinamentos do Alcorão não rechaçavam o álcool ou outras substâncias embriagantes, mas sim alertavam sobre seu uso inadequado e induziam o crente a evitá-las; de fato, apenas em algumas poucas ocasiões foram proibidas taxativamente. Ao contrário, o uso de cannabis – naquela época, unicamente ingerido e nunca fumado - , foi considerado muito indicado entre os adeptos do novo movimento sufi, já que facilitava a comunhão direta com Deus que tanto apregoavam. Estimulavam, mediante o uso destas drogas, a chamada consciência mística. O consumo de haxixe se converteu em um ato a mais de sua religião. O poeta Mamad Ibn Rustum al Isirdi (1222-1258) diria: ‘O haxixe é o segredo com que o espírito se eleva até os mais sublimes lugares, uma ascensão celestial de um espírito livre de ataduras corporais e mundanas’.
Pelo aspecto ascético e sua posição contracultural, os sufis sempre foram incômodos, tanto para o comum da sociedade como para seus dirigentes. Até hoje chega o eco daqueles crentes entre a visão das danças místicas dos dervixes giróvagos da Anatólia, que bailam sob os efeitos da cannabis, substância que lhes ajuda a sobrelevar as longas horas de jejum, oração e meditação prévias.
Do consumo do cannabis entre os pertencentes à seita sufi, dava notícia o viajante e botânico hispano-muçulmano Ibn al Baytar al Malqi, que nasceu em Málaga e morreu em Damasco no ano de 1248. Contava que seu primeiro encontro com o cannabis foi no Egito; lá observou que os sufis cozinhavam as folhas e inflorações a fogo lento, até que se secavam. Logo, as prensavam e formavam uma espécie de pílulas, acabando-as de tostar com gergelim e açúcar. As comiam com fruição, como se fossem guloseimas. De seu consumo desmedido, Al Malqi contava: “Os sufis que consomem o haxixe demonstram constantemente seu efeito pernicioso, já que debilita suas mentes, aparecem como maníacos e inclusive os leva até a morte’.
No ano de 1253, o sultão do Egito, Najm al Din Ayyub, ordena o corte e queima das plantas de cânhamo que tradicionalmente se cultivavam em um jardim da cidade do Cairo, chamado Kafur. Tamanha era a demanda, que os camponeses dos arredores, ao saber que a lei só afetava à cidade, decidiram plantá-lo em seus campos e fazer do mercado de haxixe um próspero negócio.
No mundo islâmico da Idade Média, os ataques contra o consumo desmedido de haxixe cresciam na mesma medida em que se considerava fonte de heterodoxia na religião e gerava problemas de ordem. Uma vez condenada sua possível ação terapêutica, o cânhamo passa a fazer parte dos tratados sobre enfermidades, como o escrito por Badr al Din al Zarkasi: ‘As folhas do cânhamo cultivado produzem dor de cabeça, consomem e secam o sêmen e geram muitas cavilações (...) ; provoca febre héctica, tuberculose, hidropsia e sodomia passiva’...
De sodomia se acusava com frequência os sufis e, por extensão, aos Assassinos, já que se entendia que a sodomia era o resultado de padecer a doença descrita como ‘sodomia passiva’. Esta seria uma doença na qual se inflamam os músculos que rodeiam o ânus e incitariam, ao que a padeceriam, a que continuamente se esteja coçando, chegando a ponto de desejar ser sodomizado, em busca de alívio. Fica claro que não se tratava de uma conjetura muito científica.
A notícia sobre o uso do cannabis entre os povos do Oriente chega na Idade Média a Europa, da pena do abade Arnoldo de Lübeck (séc. XII); em sua obra Cronica Slavorum, este religioso conta os efeitos do cânhamo entre certas seitas otomanas – os dervixes, seguramente – e nomeia a outros, chamados ‘assassinos’, dos quais se conta que cometem seus crimes sob o efeito alucinógeno dessa planta. Na Espanha se escutará pela primeira vez a palavra ‘assassino’ quando Alfonso X ‘o Sábio’ a inclua sem suas famosas cantigas, no século XIII.”


Para se ler Poemas de Rumi, visitem: Sertão do Peri e Rumi Network

sábado, 1 de maio de 2010

Tritão, um planeta capturado

Imagem: Astronoo

Mesmo depois que Plutão foi desclassificado pelos astrônomos como planeta do sistema solar, os adeptos das teorias de Zecharia Sitchin sobre a Volta de Nibiru não souberam assimilar a notícia à sua teoria baseada nos vestígios da literatura suméria, e quando houve a notícia de que a descoberta de Éris pelo astrônomo californiano Michael Brown poderia representar a descoberta do planeta dos Annunaki (ou "planeta X"), tampouco se entendeu bem.

Euzinho da silva, Eduardo Bayer, nas planuras do Rio Grande do Sul, tive uma curiosa participação na descoberta de Éris. Dias antes, e até foi documentado pois quis contá-lo na lista "Terramistica" de que participava, tive um curioso sonho. Estava com uma tacha dourada, esses chamados percevejos, virado de cabeça para baixo, como uma antena minúscula, sobre uma Bíblia que tinha sobre as pernas, e lia assim esse trecho: "e um grande planeta desapare ..." (as letras desapareciam). Eu me indagava de como podia ser isto das letras terem também desaparecido e uma voz me explicava que, junto de Netuno, havia algo que os cientistas ainda não se haviam percatado, mas que era uma verdadeira bomba armada. E quando isso acontecesse, todo o sistema seria movido e transformado.

Ora, o que tenho eu a ver com visões celestiais, minúsculo aqui na face do planeta Terra? Mas por aqueles dias um hacker espanhol entrou no site do observatório da Califórnia e divulgou a descoberta de Brown sobre Éris, na época ainda não nomeado, obrigando o descobridor a declarar-se de uma vez à mídia mundial. Eu achei curioso saber sobre a órbita excêntrica do novo planeta, e escrevi um mail para Michael Brown, indagando se ele passaria próximo a Netuno, pois tivera este sonho... Surpreendentemente, o cientista me respondeu e ainda conversamos umas duas vezes. Ficou claro que as observações preliminares eram insuficientes para traçar a equação da elipse desenvolvida por Éris, e ainda tenho minhas dúvidas.

Os fatos sobre Tritão são de que este não é um satélite de Netuno e sim um planeta que se moveu para a sua órbita durante alguma catástrofe anterior (a destruição de Tiamat e o surgimento da Terra e do cinturão de asteróides?). Tritão é um planeta, o mais frio do sistema solar, e gira em sentido contrário ao sentido em que gira Netuno, ficando claro que um dia estes virão a colidir. Ora, Netuno é um gigante, que marca o limite entre os planetas próximos ao Sol e os mais distantes, exercendo papel de equilíbrio de massa nessa distribuição. Terá sido aquele meu sonho premonitório? E nesse caso, qual minha função nesse teatro do universo?

Mais sobre Tritão, leiam em Solar Views. Também em Sumerian Civilization and Buddhist Lore

segunda-feira, 26 de abril de 2010

Direitos de Mãe

Hoje, nossa Mãe Terra está ferida e o futuro da humanidade está em perigo.

Por se incrementar o aquecimento global em mais do que 2 º C, ao que nos levaria o chamado “Entendimento de Copenhage”, há 50% de chance de que os danos causados à nossa Mãe Terra sejam totalmente irreversíveis. Entre 20% e 30% das espécies estariam em perigo de desaparecer. Grandes extensões de floresta seriam afetadas, as secas e inundações afetariam diversas regiões do planeta, os desertos se estenderiam e se agravaria o derretimento das calotas polares e geleiras nos Andes e no Himalaia. Muitos estados insulares desapareceriam e a África sofreria um aumento de temperatura superior a 3 º C. Da mesma forma, a produção de alimentos do mundo se reduziria, com efeitos catastróficos para a sobrevivência dos habitantes de vastas regiões do planeta, e aumentaria drasticamente o número de famintos no mundo, que já ultrapassa a cifra de 1.020 milhões de pessoas.

Empresas e governos dos países chamados de "mais desenvolvidos" com a cumplicidade de um segmento da comunidade científica, coloca-nos para discutir as alterações climáticas como um problema limitado ao aumento da temperatura, sem questionar a causa que é o sistema capitalista.

Enfrentamos a crise terminal do modelo patriarcal de civilização baseada na subjugação e destruição de seres humanos e a natureza, que se acelerou com a revolução industrial.

O sistema capitalista impôs uma lógica de concorrência, o progresso e o crescimento ilimitado. Este modo de produção e consumo visa lucro sem limites, separando o homem da natureza, estabelecendo uma lógica de dominação, transformando tudo em mercadoria: a água, a terra, o genoma humano, as culturas ancestrais, a biodiversidade, justiça, ética, direitos dos povos, a morte e a própria vida.

Sob o capitalismo, a Mãe Terra se torna somente fonte de matérias-primas e os seres humanos em meios de produção e consumidores, em pessoas que valem pelo que e têm e não pelo que são.

O capitalismo requer uma forte indústria militar para o processo de acumulação e controle de territórios e recursos naturais, reprimindo a resistência dos povos. É um sistema imperialista de colonização do planeta.

A humanidade está enfrentando um grande dilema: continuar no caminho do capitalismo, a depredação e a morte, ou o caminho da harmonia com a natureza e o respeito pela vida.

Exigimos a construção de um novo sistema para restaurar a harmonia com a natureza e entre seres humanos. Não pode haver equilíbrio com a natureza, se houver iniquidade entre os seres humanos.

Colocamos para os povos do mundo a recuperação, capacitação e fortalecimento dos conhecimentos, saberes e práticas tradicionais dos Povos Indígenas, afirmados na experiência e proposta do "Viver Bem", reconhecendo a Mãe Terra como um ser vivo, com o qual temos uma relação indissociável, interdependente, complementar e espiritual.

Para enfrentar a mudança climática devemos reconhecer a Mãe Terra como fonte de vida e de forjar um novo sistema baseado nos princípios: a harmonia e o equilíbrio entre todos e toda a complementaridade, a solidariedade e a equidade, bem-estar coletivo e à satisfação das necessidades básicas, tudo em harmonia com a pela Mãe Terra , respeito pelos Direitos da Mãe Terra e Direitos Humanos, em reconhecimento do ser humano pelo que é e não pelo que tem, a eliminação de todas as formas de colonialismo, o imperialismo e o intervencionismo, paz entre os povos e a Mãe Terra.

O modelo que defendemos não é de desenvolvimento destrutivo nem ilimitado. Os países precisam produzir bens e serviços para satisfazer as necessidades básicas de sua população, mas não significa que podemos continuar neste caminho de desenvolvimento no qual os países ricos têm uma pegada de carbono cinco vezes maior do que o planeta pode suportar. Eles já tinham ultrapassado 30% sobre a capacidade do planeta para se regenerar. A este ritmo de superexploração da nossa Mãe Terra vamos precisar de dois planetas até 2030.

Em um sistema interdependente de que os seres humanos são um dos seus componentes não é possível reconhecer direitos só para o lado humano sem causar um desequilíbrio no sistema como um todo. Para garantir os direitos humanos e restabelecer a harmonia com a natureza é necessário reconhecer e fazer valer os direitos da Mãe Terra.

Propomos o projeto adjunto da Declaração Universal de Direitos da Mãe Terra, na qual estão inseridos: Direito à vida, de existir; direito de ser respeitada; direito de continuar os seus ciclos de vida e processos isentos de perturbação humana; Direito de manter a sua identidade e integridade como seres distintos, auto-regulados e inter-relacionados; Direito à água como fonte de vida; Direito ao ar puro; Direito à saúde integral; Direito de ser livre de contaminação e poluição, resíduos tóxicos e radioativos; Direito a não ser geneticamente alterada e modificada na sua estrutura ou função, ameaçando sua integridade ou funcionamento vital e saudável; Direito a uma restauração completa e rápida para as violações dos direitos reconhecidos na Declaração causadas por atividades humanas.

A visão compartilhada é estabilizar as concentrações de gases de efeito estufa para dar cumprimento ao artigo 2 º da Convenção Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima, que determina a "estabilização das concentrações de gases de efeito estufa na atmosfera num nível que impeça uma interferência antrópica perigosa no sistema climático ". Nossa visão é baseada no princípio histórico de responsabilidades comuns, mas diferenciadas, para exigir que os países desenvolvidos se comprometam com metas quantificadas de redução de emissões que permitam que as concentrações de retorno de gases de efeito estufa na atmosfera em 300 ppm e, portanto, limitar o aumento da temperatura média global a um nível máximo de 1 C.

Sublinhando a necessidade de medidas urgentes para alcançar esta visão, e com o apoio das pessoas, movimentos e países, os países desenvolvidos devem comprometer-se com objetivos ambiciosos de redução das emissões, que permitam atingir os objetivos a curto prazo, mantendo a nossa visão para o equilíbrio do sistema climático da Terra, de acordo com o objetivo último da Convenção.

A "visão compartilhada" para a " Ação Cooperativa a Longo Prazo " não deve ser reduzida às negociações das alterações climáticas para definir o limite para o aumento da temperatura e da concentração de gases de efeito estufa na atmosfera, mas deve compreender um conjunto amplo e equilibrado de medidas financeiras, tecnológicas, adaptação, desenvolvimento de capacidades, padrões de produção, consumo e outros itens essenciais, como o reconhecimento dos direitos da Mãe Terra para restaurar a harmonia com a natureza.

Os países desenvolvidos , principais causadores das alterações climáticas, assumindo sua responsabilidade histórica e atual, devem reconhecer e honrar a sua dívida climática em todas as suas dimensões, como base para uma solução justa das alterações climáticas, eficaz e científica. Neste contexto, instamos os países desenvolvidos:

Restabelecer aos países em desenvolvimento o espaço atmosférico ocupado por suas emissões de gases de efeito estufa. Isto implica a descolonização da atmosfera mediante a redução e absorção, as suas emissões.

Assumir os custos de transferência de tecnologia e as necessidades dos países em desenvolvimento pela perda de oportunidades de desenvolvimento por viver em um espaço atmosférico restringido.

Fazer-se responsáveis por centenas de milhões que terão de migrar pela mudança climática que tenham causado e para remover as suas políticas restritivas em matéria de migração e aos migrantes proporcionar uma vida decente e todos os direitos em seus países.

Assumir a dívida da adaptação em relação aos impactos da mudança climática nos países em desenvolvimento, fornecendo os meios para prevenir, minimizar e lidar com os danos decorrentes de suas emissões excessivas.

Honrar essas dívidas, como parte de uma dívida maior com a Mãe Terra para tomar e implementar a Declaração Universal dos Direitos da Mãe Terra nas Nações Unidas.

O foco não deve ser apenas uma compensação financeira, mas principalmente da justiça restaurativa - que está restaurando a integridade das pessoas e os membros que formam uma comunidade de vida na Terra.

Lamentamos a tentativa de um grupo de países para cancelar o Protocolo de Kyoto, o instrumento de ligação específica para reduzir as emissões de gases de efeito estufa nos países desenvolvidos.

Advertimos ao mundo que apesar de estar legalmente obrigados as emissões dos países desenvolvidos, em vez de reduzir, cresceu 11,2% entre 1990 e 2007.

Estados Unidos por causa do consumo ilimitado aumentou as emissões de GEE 16,8% no período 1990-2007, emitindo, em média, entre 20 e 23 toneladas de CO2 per capita, o que representa mais de 9 vezes as emissões de habitante médio do Terceiro Mundo, e mais de 20 vezes as emissões de um habitante da África subsariana.

Absolutamente rejeitar o ilegítimo "Entendimento de Copenhagen", que permite que países desenvolvidos ofereçam reduções insuficiente de gases de efeito estufa, com base em compromissos voluntários e pessoais que violam a integridade ambiental da Mãe Terra, levando a um aumento de cerca de 4 º C.

A próxima Conferência sobre Mudança Climática que será realizada ainda este ano no México deve aprovar a emenda do Protocolo de Quioto, para o segundo período de compromisso para começar em 2013-2017 em que os países desenvolvidos devem se comprometer com significativas reduções internas de pelo menos 50% em comparação com ano base 1990, excluindo os mercados de carbono ou outros sistemas de desvio que mascaram a falta de reduções reais de emissões de gases de efeito estufa. Exigimos primeiro estabelecer uma meta para todos os países desenvolvidos e, em seguida, cotas individuais para cada país desenvolvido no contexto de um esforço de comparação entre cada uma delas, mantendo assim o sistema do Protocolo de Quioto de redução das emissões . Os Estados Unidos da América, como o único país da Terra no anexo 1, que não ratificaram o Protocolo de Quioto tem uma grande responsabilidade para com todos os povos do mundo porquanto ele deveria ratificar o Protocolo de Kyoto e se comprometer a respeitar e cumprir de metas de redução das emissões de economia de escala.

Os povos têm os mesmos direitos de proteção aos impactos da mudança do clima e rejeitam a noção de adaptação às alterações climáticas entendida como a renúncia aos impactos causados pelas emissões históricas dos países desenvolvidos, que devem adaptar os seus estilos de vida e consumo para essa emergência planetária. Somos forçados a lidar com os impactos das alterações climáticas, considerando a adaptação como um processo e não como uma imposição, e também como uma ferramenta que serve para contrariar esta situação, mostrando que é possível viver em harmonia sob um modelo de vida diferente.

É preciso criar um Fundo de Adaptação, como um fundo exclusivo para abordar a mudança climática como parte de um mecanismo financeiro utilizado e gerido de forma soberana, transparente e equitativa para nossos estados. Baseado nesse fundo devem ser avaliados os impactos e os custos nos países em desenvolvimento e as necessidades que esses impactos derivem, e registrar e monitorar o apoio dos países desenvolvidos. Ele também deve lidar com um mecanismo de compensação para os danos ocorridos por impactos e futuros, por perda de oportunidades e a reposição por eventos climáticos extremos e graduais e custos adicionais que poderiam surgir se o nosso planeta ultrapasse os limiares ecológicos e os impactos que são limitantes ao direito de Viver Bem.

O "Entendimento de Copenhagen” imposto aos países em desenvolvimento por alguns Estados, além de oferecer recursos insuficientes, pretende dividir e enfrentar os povos e tenta extorquir dinheiro de países em desenvolvimento, condicionando o acesso aos recursos de adaptação em troca de medidas de mitigação. Além disso se estabelece como inaceitável nos processos de negociação internacional a tentativa de classificar os países em desenvolvimento por sua vulnerabilidade às alterações climáticas, criando conflitos, desigualdades e segregações entre eles.

O imenso desafio que enfrentamos como humanidade para deter o aquecimento global e resfriamento do planeta só será possível com a realização de uma profunda transformação da agricultura em um modelo sustentável de produção agrícola e camponesa e indígena/ originário, e outros modelos e práticas ancestrais ecológicas que contribuem para a resolver o problema da mudança climática e garantir a soberania alimentar, entendida como o direito dos povos de controlar suas próprias sementes, terra, água e produção de alimentos, assegurando, através da produção em harmonia com a Mãe Terra, local e culturalmente apropriados, o acesso dos povos a alimentos suficientes, variados e nutritivos em complementação com a Mãe Terra e aprofundando a produção independente (participativa, comunitária e partilhada) em cada nação e povo.

A mudança climática já está produzindo impactos profundos sobre a agricultura e os meios de subsistência dos povos indígenas / originários e camponeses do mundo e os impactos vão ser pior no futuro.

O agronegócio através do seu desenvolvimento social, econômico e cultural da produção capitalista globalizado e da lógica da produção de alimentos para o mercado e não para satisfazer o direito à alimentação é uma das principais causas da mudança climática. Suas ferramentas tecnológicas, comerciais e políticas, nada mais fazem que aprofundar a crise do clima e aumentar a fome no mundo. Por este motivo, rejeitamos os Tratados de Livre Comércio e os Acordos de Associação e todas as formas de aplicação de direitos de propriedade intelectual sobre a vida, os atuais pacotes tecnológicos (agrotóxicos, transgênicos) e aqueles que se oferecem como falsas soluções (biocombustíveis, a geoengenharia, a nanotecnologia, a tecnologia Terminator e semelhantes) que só exacerbarão a crise atual.

Ao mesmo tempo, denunciar o que este modelo capitalista impõe mega projetos de infra-estrutura, invade territórios com projetos extrativistas, privatiza e mercantiliza a água e militariza territórios expulsando os povos indígenas e agricultores de suas terras, impedindo a Soberania Alimentar e aprofundando a crise sócio-ambiental.

Exigimos o reconhecimento do direito de todos os povos, os seres vivos e a Mãe Terra para acessar e desfrutar da água e apoiar a proposta do Governo da Bolívia para reconhecer a água como um Direito Humano Fundamental.

A definição de floresta utilizadas nas negociações da Convenção Quadro das Nações Unidas sobre as Alterações Climáticas, a qual inclui plantações é inaceitável. As monoculturas não são florestas. Portanto, precisamos de uma definição para fins de negociação, que reconhece as florestas nativas, selvas e a diversidade de ecossistemas sobre a terra.

A Declaração da ONU sobre os Direitos dos Povos Indígenas deve ser plenamente reconhecida, aplicada e integrada nas negociações de mudanças climáticas. A melhor estratégia e medidas para evitar o desmatamento e degradação e proteger as florestas nativas e a selva é reconhecer e garantir os direitos coletivos das terras e territórios, especialmente considerando que a maioria das florestas estão em territórios de povos e nações indígenas e comunidades tradicionais de agricultura.
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Nós condenamos os mecanismos de mercado e do mecanismo de REDD (Redução das emissões resultantes da desflorestação e degradação florestal) e suas versões +e + +, que está violando a soberania dos povos e seu direito ao consentimento livre, prévio e informado e da soberania dos Estados-nação, e viola os direitos e os costumes dos povos e os direitos da natureza.

Os países poluidores são obrigados a transferir diretamente os recursos econômicos e tecnológicos para pagar a restauração e manutenção das florestas em favor dos povos indígenas e as estruturas organizacionais ancestral, originárias, campesinas. Esta deve ser uma compensação direta e de fontes adicionais de financiamento comprometidos pelos países desenvolvidos fora do mercado de carbono e nunca servir como créditos de carbono (offsets). Exigimos que os países parem com iniciativas locais sobre as florestas e florestal, com base em mecanismos de mercado e propõe resultados inexistentes e condicionados. Apelamos aos governos um programa global para restaurar florestas nativas e florestas, gerido e administrado pelo povo, a implementação de sementes florestais, árvores frutíferas e flora nativas. Os governos devem eliminar concessões florestais e apoiar a conservação de óleo no subsolo e acabar urgententemente com a exploração de hidrocarbonetos na selva.

Instamos os Estados a reconhecer, respeitar e garantir a aplicação efetiva das normas internacionais de direitos humanos e os direitos dos Povos Indígenas, incluindo Declaração das Nações Unidas sobre os Direitos dos Povos Indígenas, Convenção 169 da OIT , entre outros instrumentos relevantes das negociações, políticas e medidas para enfrentar os desafios colocados pelas alterações climáticas. Em especial, chamamos os Estados a reconhecer legalmente a existência prévia do direito sobre os nossos territórios, terras e recursos naturais para habilitar e fortalecer nossas formas tradicionais de vida e contribuir eficazmente para resolver as mudanças climáticas.

Exigimos a aplicação integral e efetiva do direito de consulta, participação e prévio consentimento livre e informado dos povos indígenas em todos os processos de negociação e na concepção e implementação de medidas relativas às alterações climáticas.

Atualmente, a degradação ambiental e as alterações climáticas irão atingir níveis críticos, uma das principais conseqüências da migração interna e internacional. De acordo com algumas projeções, em 1995, havia cerca de 25 milhões de migrantes climáticas, este é estimado em 50 milhões e as projeções para 2050 são 200 a 1000 milhões de pessoas serão deslocadas por situações decorrentes das alterações climáticas.

Os países desenvolvidos devem assumir a responsabilidade de migrantes climáticos, acolhendo-os em seus territórios e reconhecendo seus direitos fundamentais através da assinatura de convenções internacionais que prevêem a definição de migrantes climáticos para que todos os Estados respeitem as suas determinações.

Estabelecer um Tribunal Internacional de Consciência para denunciar, tornar visível, o documento, julgar e punir as violações dos direitos do (s) migrantes, refugiados (as) e pessoas deslocadas nos países de origem, trânsito e destino, identificando claramente as responsabilidades dos Estados, empresas e outros atores.

O financiamento atual para os países em desenvolvimento à mudança climática e com a proposta de Acordo de Copenhagen é insignificante. Os países desenvolvidos devem comprometer-se a um novo financiamento anual, fonte adicional de assistência oficial ao desenvolvimento e público de pelo menos 6% do seu PIB para combater a mudança climática nos países em desenvolvimento. Isso é viável, considerando que uma quantidade similar gastos em defesa nacional e destinaram cinco vezes mais para salvar bancos falidos e os especuladores, o que levanta sérias questões sobre suas prioridades globais e vontade política. Este financiamento deverá ser direto, incondicional e não violar a soberania nacional ou a autodeterminação das comunidades e grupos mais afetados.

Dada a ineficácia do atual sistema, na Conferência do México deve estabelecer um novo mecanismo de financiamento que opera sob a autoridade da Conferência das Partes da Convenção-Quadro sobre as Alterações Climáticas das Nações Unidas responsável perante ela, com uma representação significativa dos países em desenvolvimento para garantir o cumprimento dos compromissos de financiamento de países do Anexo 1.

Apurou-se que os países desenvolvidos aumentaram as suas emissões durante o período 1990 - 2007, apesar de terem afirmado que a redução seria coadjuvada substancialmente pelos mecanismos de mercado.

O mercado de carbono se tornou um negócio lucrativo por comercializar nossa Mãe Terra, esta não é uma alternativa para combater as alterações climáticas, porque saqueia, devasta a terra, a água e até mesmo a própria vida.

A recente crise financeira tem demonstrado que o mercado é incapaz de regular o sistema financeiro, que é frágil e incerto, em meio à especulação e à emergência de corretores, portanto, seria totalmente irresponsável deixar em suas mãos o cuidado e proteção da existência humana e de nossa Mãe Terra.

Consideramos inaceitável que as negociações em curso pretendam criar novos mecanismos para ampliar e promover o mercado de carbono, dado que os mecanismos existentes nunca resolveram o problema da mudança climática nem se tornaram ações diretas e reais na redução dos gases de efeito estufa .

É essencial para exigir o cumprimento dos compromissos assumidos pelos países desenvolvidos na Convenção das Nações Unidas sobre as Alterações Climáticas para o desenvolvimento e transferência de tecnologia e rejeitar a "vitrine tecnológica", proposto pelos países desenvolvidos que apenas comercializam tecnologias. É essencial estabelecer diretrizes para a criação de um mecanismo multilateral e multidisciplinar para o controle participativo, a gestão e avaliação contínua do intercâmbio de tecnologias. Essas tecnologias devem ser úteis, limpas e socialmente adequadas. É igualmente essencial estabelecer um fundo de financiamento e de estoque de tecnologias adequadas e livres de direitos de propriedade intelectual, incluindo os monopólios de patentes que devem deslocar-se de domínio privado para público, de livre acessibilidade e de baixo custo.

O conhecimento é universal, e por nenhum motivo pode ser objeto de propriedade privada e uso privado, nem suas aplicações na forma de tecnologia. É dever dos países desenvolvidos compartilhar sua tecnologia com os países em desenvolvimento, criar centros de pesquisa para criação de suas próprias tecnologias e inovações, bem como defender e promover o seu desenvolvimento e aplicação para viver bem. O mundo precisa para se recuperar, aprender, reaprender os princípios e enfoques do legado ancestral dos povos originários para parar a destruição do planeta, bem como conhecimentos e práticas ancestrais e de recuperação da espiritualidade na reinserção do viver bem junto com a Mãe Terra.

Considerando a falta de vontade política por parte dos países desenvolvidos para atender com eficácia as suas obrigações e compromissos no âmbito da Convenção Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima e do Protocolo de Kyoto, e frente a inexistência de um organismo jurídico internacional para evitar e punir todos aqueles delitos e crimes ambientais e climáticos que violam os direitos da Mãe Terra e da humanidade, pedimos a criação de um Tribunal Internacional de Justiça Climática e Ambiental que tenha a capacidade jurídica vinculante para prevenir, julgar e punir os Estados , empresas e pessoas que por ação ou omissão causam a contaminação e as alterações climáticas. Apoiar os Estados para apresentar as alegações no Tribunal Internacional de Justiça contra os países desenvolvidos que não cumprirem os seus compromissos no âmbito da Convenção Quadro das Nações Unidas sobre Mudança Climática e do Protocolo de Quioto, incluindo os seus compromissos de redução dos gases com efeito estufa . Conclamamos o povo a propor e promover uma reforma profunda da Organização das Nações Unidas (ONU), de modo que todos os Estados-Membros cumpram as decisões do Tribunal Internacional de Justiça Climática e Ambiental.

O futuro da humanidade está em perigo e não podemos aceitar que um grupo de líderes de países queiram definir por todos os países, como tentaram fazer sem sucesso na Conferência das Partes em Copenhague. Esta decisão compete a nós, todos os povos. Por conseguinte, é necessário realizar um Referendo Mundial, plebiscito ou consulta popular sobre mudança do clima em que todos nós somos consultados sobre: o nível de reduções de emissões a ser feita pelos países desenvolvidos e as corporações transnacionais, o financiamento a ser oferecido por países desenvolvidos, a criação de um Tribunal Internacional de Justiça Climática: a necessidade de uma Declaração Universal da Mãe Terra, a necessidade de alterar o atual sistema capitalista.

O processo de Referendo Mundo, plebiscito ou consulta será fruto de um processo de preparação para assegurar o êxito do mesmo.

A fim de coordenar nossas atividades internacionais e implementar os resultados do presente “Acordo dos Povos” chamamos para construir um Movimento Mundial dos Povos pela Mãe Terra, que se baseará nos princípios da complementaridade e respeito pela diversidade de origem e visões dos seus membros, constituindo um espaço amplo e democrático de coordenação e ação conjunta a nível mundial.

Para este fim foi adotado o plano de ação global anexado que no México os países desenvolvidos do Anexo 1 a respeitar o quadro jurídico existente e reduzir as suas emissões de gases de efeito estufa em 50% e levar as diferentes propostas contidas no presente Acordo.

Finalmente, acordamos em manter a segunda Conferência Mundial dos Povos sobre Mudança do Clima e dos Direitos da Mãe Terra, em 2011, como parte desse processo de construção do Movimento Mundial dos Povos pela Mãe Terra e para reagir aos resultados dos Conferência sobre Mudança Climática que será realizada ainda este ano, em Cancun, no México.

Tradução do espanhol: Eduardo Sejanes Cezimbra. Para ler o documento completo em pdf, cliquem aqui

sábado, 17 de abril de 2010

A Descoberta do Mel

A Descoberta do Mel - Piero di Cosamo, 1505-1510
Art Museum, Worcester
Image from Web Gallery of Art

Michel Eyquem de Montaigne (1533- 1592) foi escritor e ensaísta francês, considerado por muitos como o inventor do ensaio pessoal. Nas suas obras e, mais especificamente nos seus “Ensaios”, analisou as instituições, as opiniões e os costumes, debruçando-se sobre os dogmas da sua época e tomando a generalidade da humanidade como objeto de estudo. O canibalismo foi abordado por Montaigne através do contato dos europeus com os índios, habitantes do Novo Mundo e, em especial, dos índios brasileiros. Essa prática, condenada pelos europeus, adquiriu novos modos de interpretação em que diferentes visões eram usadas pelo filósofo francês em múltiplos significados simbólicos. Entre as diversas suposições estaria a de que o canibalismo era uma maneira pela qual um guerreiro adquiriria a força e a coragem do herói vencido. Mas, o canibalismo também era interpretado pelos europeus como uma das mais primitivas barbaridades, sem propósito maior do que o sofrimento humano. Dessa maneira, Montaigne retrata, neste texto clássico, as mais diversas interpretações e medos a respeito do desconhecido Novo Mundo. O livro também serve de porta de entrada para o complexo pensamento de um dos mais brilhantes filósofos da tradição ocidental. Para Montaigne, num jogo sutil de argumentação, os “bárbaros” não seriam aqueles que habitavam a parte desconhecida do mundo, mas sim os indivíduos que se encontravam no Velho Mundo.

Hos natura modos primum dedit.
“Eis as primeiras leis que a natureza deu”. (Virgílio, 10, Georg., II, 20).

"Vivem numa região do país muito aprazível e tão saudável que, segundo me dizem meus testemunhos, é raro encontrar-se lá uma pessoa doente; e asseguram–me também que nunca lá viram gente com tremuras, nenhum remelento, desdentado ou vergado sob o peso da velhice. Estão estabelecidos ao longo do mar, e defendidos do lado da terra por grandes e altas montanhas que se estendem a distância de cem léguas do mar aproximadamente. Têm em abundância carne e peixes, que em nada se assemelham aos nossos e que comem sem condimento, apenas assados. O primeiro homem que lhes apareceu montado a cavalo, embora já se tivessem relacionado com ele em várias viagens anteriores, causou-lhes tanto horror naquela postura que o mataram a setadas antes de o reconhecerem. Suas casas são muito compridas, com capacidade para duzentas ou trezentas almas. Cobrem-nas com a casca de grandes árvores, estão fixas à terra por um extremo e apoiam-se dos lados umas contra as outras, como algumas das nossas granjas; a parte que as cobre chega até ao solo, servindo-lhes de flanco. Têm madeira tão dura que a usam para cortar, e com ela fazem espadas e grelhas para assar os alimentos. Os leitos, feitos de tecido de algodão, estão suspensos do tecto como os dos nossos navios, e cada um ocupa o seu, porque as mulheres dormem separadas dos maridos. Levantam-se ao nascer do sol e comem logo depois, para todo o dia; porque não fazem outra refeição. Durante esta não bebem, como ‘ outros povos do Oriente, os quais, segundo Suidas, só bebem fora das comidas, mas várias vezes ao dia e abundantemente. Sua bebida é feita de certa raiz, e tem a cor dos nossos vinhos claretes. Só a bebem morna. Não se conserva senão dois ou três dias, tem o gosto um pouco picante, não sobe à cabeça, é boa para o estômago, e tem o efeito de um laxante para os que não estão habituados a ela, mas para os outros é muito agradável. Em vez de pão, comem determinada substancia branca, uma espécie de coentro açucarado. Provei-a; é doce e um tanto insípida. Passam o dia a dançar. Os mais moços dedi-cam-se à caça grossa, armados de arcos, enquanto uma parte das mulheres trata de esquentar a bebida, sua principal ocupação. H;á sempre um ancião que, de manhã, antes da comida, faz prédicas em comum a todos os habitantes da granjaria, passeando de um lado para o outro, e repetindo várias vezes a mesma exortação até dar a volta à casa (porque são construções que medem uns bons cem passos de comprimento). Só lhes recomenda duas coisas: valor para se defrontarem com os inimigos e amizade para as mulheres. E jamais deixam de ponderar esta última obrigação, repetindo sempre que são elas que lhes conservam a bebida morna e bem temperada. Pode-se ver em certos lugares, e entre eles em minha casa, onde tenho alguns, a forma de seus leitos, de seus cordões, de suas espadas e dos braceletes de madeira com que cobrem os punhos nos combates, bem como das grandes canas abertas em uma das extremidades e ao som das quais marcam a cadência da dança. Trazem a cabeça rapada e fazem a barba muito melhor do que nós, sem necessidade de outra navalha que não seja a madeira e a pedra. Crêem na eternidade das almas: as que merecem bem dos deuses repousam no lugar do céu onde o sol nasce, e as malditas no lado do Ocidente.

Têm não sei que espécie de sacerdotes e profetas que raras vezes se apresentam diante do povo e que vivem nas montanhas. Quando eles chegam, celebra-se uma grande festa, e uma assembleia solene, da qual participam vários povoados (cada granjaria, como já descrevi, forma um povoado, que fica distante do mais próximo uma légua francesa aproximadamente). O profeta fala-lhes em público, exortando-os à virtude e ao dever; mas toda a sua ciência ética se resume em dois artigos: resolução para a guerra e afecto às esposas. Fazem-lhes prognósticos sobre as coisas do futuro e os acontecimentos que devem esperar de suas empresas, encaminhando-os ou desviando-os da guerra. Mas, se falham no adivinhar, se acontece o contrário do que predizem, são presos, esquartejados em mil pedaços e condenados. como falsos profetas. Assim, o que uma vez se engana desaparece para sempre.

Adivinhar é um dom que só a Deus cabe dar; eis por que comete impostura digna de ser punida o que desse dom abusa. Entre os Citas, os adivinhos que se enganavam eram postos, de mãos e pés agrilhoados, em cima de carros de bois cheios de mato, e ali queimados. Nos que regem as coisas sujeitas à condição humana é per doável que façam tudo quanto podem para cumprir sua missão. Mas os outros, os que nos enganam com a infalibilidade de uma faculdade extraordinária que cai fora do nosso conhecimento, por que não castigá-los quando não mantêm o efeito de suas promessas, e pela temeridade de suas imposturas?

Fazem as guerras às nações situadas do outro lado das montanhas, terra a dentro; vão a elas completamente nus, levando como únicas armas arcos e espadas de madeira aguçadas na ponta, como as línguas dos nossos venábulos. É coisa de maravilhar a firmeza de seus costumes, que acabam sempre em mortandade ou em efusão de sangue, pois não sabem o que seja fuga ou pânico. Cada qual traz por troféu a cabeça do inimigo a quem deu morte, e pendura-a à entrada de sua casa. Depois de terem dado por algum tempo bom trato aos prisioneiros, facilitando-lhes todas as comodidades ao alcance de sua imaginação, o chefe congrega seus amigos em uma grande assembleia; ata uma corda a um dos braços do prisioneiro, segurando na outra ponta, a alguns passos de distância, com medo de ser ferido, e dá o outro braço a segurar, da mesma forma, ao melhor de seus amigos; então ambos o abatem a golpes de espada, perante toda a assembleia. Feito isto, assam-no e comem-no entre todos e enviam alguns pedaços aos amigos ausentes. Isto não é, como se poderia imaginar, para alimento, como os antigos Citas, mas sim para levar a vingança ao último extremo. E a prova é que, sabendo que os Portugueses, que se tinham aliado com os seus adversários, aplicavam outra espécie de morte aos canibais quando estes caíam prisioneiros, morte que consistia em enterrá-los até à cinta e assestar à parte descoberta grande número de setas, enf orcando-os depois, pensaram que, como eram gente do outro lado do mundo, e tinham propagado o conhecimento de muitos vícios entre os povos seus vizinhos e os avantajavam na mestria de toda a sorte de malícias, não realizavam sem razão aquele género de vingança mais dura que a sua, começaram a abandonar seu antigo método para adoptar aquele. Não me pesa acentuar o horror bárbaro que tal acção (significa, mas sim que tanto condenemos suas faltas e tão cegos sejamos para as nossas. Penso que há mais barbárie em comer um homem vivo que morto, dilacerar com tormentos e martírios um corpo ainda cheio de vitalidade, assá-lo lentamente e arrojá-lo aos cães e aos porcos, que o mordem e martirizam (como vimos recentemente, e não lemos, entre vizinhos e concidadãos, e não entre antigos inimigos, e, o que é pior, sob pretexto de piedade e de religião) que em o assar e comer depois de morto. Crisipo e Zenon, chefes da seita estóica, opinavam que não havia mal nenhum em nos servirmos dos nossos semelhantes como alimento, se a necessidade a tal nos obrigasse; sitiados nossos antepassados por César na cidade de Alésia, resolveram obviar a fome do assédio com os corpos dos anciãos, mulheres e outras pessoas inúteis para o combate."

Montaigne - Dos Canibais

Para se ler: "O Brasil de Montaigne", de Frank Lestringant. Fontes: Ensaios USP, blog "A Descoberta do Mel", Comunique-se, Alameda Editorial

sexta-feira, 9 de abril de 2010

Ex Ovo Omnia

William Harvey
Ex ovo omnia (pormenor)
1651

Omne vivum ex ovo
. [Atribuído a Harvey]. "Todo ser vivo provém de um ovo". Omne vivum ex vivo. "Tudo que é vivo vem de um ser vivo". VIDE: Ex ovo omnia. Omne animale ex ovo. Omnia animalia ex ovo.Ex ovo omnia. O famoso epigrama não está no texto, mas no gravado do frontispício de Exercitationes de generatione animalum, livro onde o médico inglês William Harvey (1578-1657), que descobriu, em 1628, a circulação do sangue, afirmava que todo o ser vivo provinha de um ovo (Ex ovo omnia). Esta seria a resposta para o célebre enigma popular (dilema de causalidade): "Quem veio antes, o ovo ou a galinha?".

Em 2006, o The Times brincou assim: "Um cientista, um filósofo e um avicultor acreditam ter descoberto a resposta para uma das perguntas mais intrigantes da humanidade: quem nasceu primeiro, o ovo ou a galinha? A resposta dada pelos pensadores e pelos granjeiros é que o ovo veio antes (...). O argumento é que o material genético não se transforma durante a vida do animal, mas que a primeira ave que se transformou no que chamamos hoje de galinha, existiu primeiro como embrião no interior de um ovo. O professor John Brookfield, especialista de genética da evolução da Universidade de Nottigham, na Inglaterra, disse que a questão estava resolvida para ele. O organismo vivo no interior do ovo teria o mesmo DNA do que o animal que, logo, se transformaria na "primeira coisa viva que podemos classificar, sem medo, de membro dessa espécie é o primeiro ovo". Para David Papineau, especialista em filosofia da Ciência do King's College, em Londres, se o primeiro pintinho saiu de um ovo é um erro pensar que, o ovo que gerou a galinha, produzido por pais de outra espécie, sofreu mutação. - Se tem um pintinho dentro, o ovo é de galinha. Se um canguru colocasse ovo, e do ovo saísse um avestruz, o ovo seria de avestruz, não de canguru - disse Papineau. A reportagem ouviu ainda o avicultor e presidente de um organismo do setor de aves, que também contribuiu para o debate, Charles Bourns.
- Os ovos existiam antes mesmo de nascer o primeiro pintinho. Claro que talvez não tivessem o aspecto que têm hoje - disse."

Marco Araújo comenta em Recanto das Letras: "A arte imita a vida ou a vida imita a arte? Quem nasceu primeiro, o ovo ou a galinha? Oscar Wilde, pensador e poeta irlandês do século XIX, declarava que a vida imita a arte muito mais que a arte imita a vida, todavia, parece a pergunta ter maior significado que qualquer resposta formulada. A vida, tanto por concepção como por desenvolvimento, é um processo criativo e, assim como a arte, tem sua origem na espiritualidade. Por isso, não seria errado deduzir que vida e arte se confundem e, como o ovo e a galinha, são farinha do mesmo saco."

LEONARDO da Vinci
Leda (copy- the original does not survive)
1510-15
Oil on panel, 112 x 86 cm
Galleria Borghese, Rome

quinta-feira, 8 de abril de 2010

Sinais no céu

يد الجوزا
yad al-jawzā, ou "a mão do (guerreiro, homem) do centro"

Ao contemplarmos a belíssima constelação de Orionte (ou Orion), podemos observar uma estrela vermelha que, segundo os árabes, correspondia a “mão do gigante”, dado que eles chamavam a esta constelação de “o Gigante”. Esta estrela é Betelgeuse, a segunda estrela mais brilhante da constelação (visto da Terra), também é conhecida por Alpha Orionis segundo a classificação de Johann Bayer.
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Em 2009 o Nobel de Física Charles Townes e colegas calcularam que a estrela supergigante vermelha tinha perdido 15% de seu tamanho nos últimos 15 anos. Segundo os astrônomos responsáveis pelo estudo, como o raio da supergigante vermelha é de cinco unidades astronômicas, ou cinco vezes o raio da órbita da Terra, o encolhimento no raio da estrela equivale à distância da órbita de Vênus. Apesar da diminuição em tamanho, os pesquisadores apontam que a luz visível, ou magnitude, que é monitorada regularmente, não apresentou queda significativa no mesmo período. Apesar de Townes e seu orientando, Ken Tatebe, terem observado há alguns anos um ponto brilhante e inusitado na superfície de Betelgeuse, a estrela continua sendo vista como uma esfera simétrica. Betelgeuse está a aproximadamente 600 anos-luz da Terra.
Leiam mais em: Wikipedia, Inovação Tecnológica e Sol Station. Fonte das imagens: Astronomia no Zênite e AstroPT