sexta-feira, 7 de junho de 2013

Traspassamento



Um poeta não pode apenas ter domínio da expressão escrita:
deveria, possuir primeiramente,
por respeito aos primórdios,
a fluente expressão oral
 e gestual de quem declama uma canção ao vento...
Um poeta e um celebrante, devem ser eco de si mesmos
No domínio de suas catedrais de ressonância
Como quem lança a palavra como flexa de precisão
Acústica.
Um poeta, um celebrante e um louco, devem dançar
Ao sabor da percepção
Das marés internas e externas em sua interação contínua
No campo energético.
Corrigindo minhas harmonias, percebi-me
E venho buscando aprender ser poeta e instrumento de mim
Também na expressão do afeto.
Não posso reverberar minha poesia se meus momentos de prazer
Todos não forem dedicados a fazer: poesia de cada gesto,
De cada silêncio de cada olhar,
O pão de cada dia, isso que não se vê mas nos preenche,
A nossa arte.
Uma letra, um desenho,
Uma gota que mistura,
Tudo tessituras.
Resta ao poeta o eterno alcançar,
Mas de minha parte, fico satisfeito
Com esta fresta de luz vindo sobre a lã cinza de minha cela,
Com este arpão forjado para segurar e puxar,
Com este alimento do espírito em que eu posso descansar.
Não há heroísmo sem bravura,
Ainda que a esta seja dada toda ternura,
O poeta encontra o gozo em si mesmo encantado,
Traspassado da poesia que o atinge no momento em pausado turbilhão,
E gera a engendração das gerações, a canção das ruas, o panfleto ao chão.
Íntima a hora da morte para quem é avisado de partir,
Mais fina que uma persiana de pestanas, o entreluz
De quem se vai mas se fica no corpo, feita a luz:
E mesmo assim é preciso poesia de si para si, nessa hora
Onde os paramos se acendem na distância de todas as coisas
E a alma expressa a última linha, pois quem é sincero consigo
Ali se saciará da graça na poesia da vida.

Juiz de Fora, 5 de Junho de 2013

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