quarta-feira, 28 de novembro de 2012

Ecognose da Amazônia


Escultura de Vladimir Kush: "Semente do Éden".

Enfim chegamos a uma definição: Ecognose é a Arte de viver em plena Natureza. Porque esta Arte envolve a mais profunda das Ciências, a Ciência da Vida, foi devagar e com muito respeito que pudemos ir nos aproximando desta declaração, hoje publicada, que meu trabalho está direcionado pela Ecognose da Amazônia. Arte-ciência que foi desenvolvida lá entre as tribos ancestrais do grande Vale do Amazonas, elas próprias forjadas no atrito oxidante do alento da mata, sob o impacto ambiental de uma natureza estonteante, onde encontraram seus remédios e seus venenos e conheceram todos os encantamentos próprios do ser-humano quando imerso em sua própria essência no afã da sobrevivência. Lá foi preservada, restou Cultura viva nos povos hoje submetidos à globalização. Mesmo que a Amazônia não seja mais no futuro a Amazônia que conhecemos, restou Cultura viva para se transformar e ir ao porvir, e é nessa hora que esse trabalho pode chegar a todos. Porque onde o homem desaprendeu a Ecognose de seus antepassados, erigiu complexos civilizacionais disfuncionais, malgastou as palavras para mentir ideologias etnocêntricas de curto horizonte no tempo e espaço, nesses lugares será sempre a Ecognose da Amazônia uma escola de vida. Assim como outras artes e filosofias, a Ecognose é um caminho de equilíbrio e harmonia do ser em suas escalas micro e macro-existencial, pois um modo de viver ecognóstico implica em uma compartilhamentação de energias construtivas no propósito de um bem estar comum. Paz e Bem, se tornam coisas mais simples quando o indivíduo pensa mais coletivamente do que individualmente. Só temos a somar se não diminuímos os outros!... O caminho da luz é certamente a estrada da harmonia. Passo a passo, qualquer um pode fazer sua própria jornada, sem por isso se esquecer dos demais...

sexta-feira, 26 de outubro de 2012

Santo Daime, uma Religião Transfigurada

Padrinho Wilson Carneiro de Souza, um dos fundadores do CEFLURIS em 1974, era o responsável pelo envio de Daime do Mestre Irineu para Porto Velho nos anos 60 e apesar da divisão entre grupos e a grande oposição ao grupo da Colônia Cinco Mil, em Rio Branco, continuou visitando festejos no CECLU até 1989.

 

As seitas surgem da realização de ofícios sacratícios (instauradores do campo “espaço-tempo” sagrado) por parte de um grupo de pessoas que compartilham uma mesma visão de mundo. Em certo sentido, uma etnia indígena pode ser considerada uma seita, uma facção da cultura de um grupo maior que se assume como tal e acentua um afastamento, ou por motivo da distância em si para o convívio e comunicação, ou por algum particularismo próprio de um pajé ou xamã o qual elabore sua filosofia de modo próprio e assim venha a desenvolver toda uma série de rituais com a função de dar estrutura às práticas religiosas do grupo. Quem amarra a base de uma cultura são os pajés, artistas por excelência, que constroem as raízes de uma etnia e assim conduzem o seu horizonte cultural. Entretanto, seitas são visões estreitas, enquanto estruturas fechadas de pensamento, conformadas em si mesmas, e esta não é a vocação, por exemplo, das culturas amazônicas ancestrais, sempre tendentes à multiplicação e à multiplicidade dadas as próprias características do ambiente da floresta, onde tudo está em permanente reciclagem, inclusive a cultura.

Tal permeabilidade das culturas amazônicas diverge das culturas andinas ancestrais, mais concentradas em sua conservação, e talvez por isso a exposição à civilização seja mais aculturante na Amazônia do que nos Andes, mas hoje em dia talvez já se encontrem no mesmo nível de degradação em relação aos ambientes urbanos. Nas aldeias da Amazônia, entretanto, o ambiente também protege o habitante tradicional, que possui bagagem de sobrevivência na floresta há milhares de anos, e na riqueza dessa etnobotânica os modernos pajés possuem meios de alcançar um dia uma autonomia digna já que consiste em direitos coletivos inalienáveis a posse desse conhecimento científico.

A Ayahuasca e o Iagé sempre foram construtores de identidades étnicas na Amazônia. É assim que o Natem é relembrado no Alto Rio Negro, como instrutor dos papéis sociais no grupo comunal. Os Shuar o tiveram como instrutor de estratégias de grupo (caça, pesca, e guerra), e os Arawak e Pano como instrutor dos processos terapêuticos. Purgativo e rigoroso, o remédio da Ayahuasca se tornou comunhão no Acre brasileiro, na comunidade religiosa liderada por Raimundo Irineu Serra, a partir de 1935, e esta foi a primeira formação de uma “seita” cristã a partir da bebida ancestral. Quando esse mesmo mestre destaca Daniel Pereira de Mattos para formar seu próprio ritual na localidade da Vila Ivonete no final dos anos 40, estabelece um “corpus” cultural particular para seu grupo e reconhece a liberdade de estabelecimento de outro “corpus” cultural para o grupo liderado por seu amigo. Nas exéquias do Frei Daniel em 1958, Mestre Irineu compareceu com seus fardados, comungaram da Santa Luz daquele centro, e ao chegar de volta ao Alto Santo decidiu o Mestre determinar que a partir daquela data os seus seguidores não deveriam mais tomar Daime de outra administração. Compreender este dado, informado por Daniel Serra, sobrinho do Mestre, nos permite entender o motivo dos fardados do CICLU - Alto Santo até a presente data não comungarem Daime em outras igrejas, mas também que cada grupo segue uma precepção e uma orientação e cada pastor deve ser responsável por suas ovelhas, assim como cada paciente deve seguir as prescrições e acompanhamento de seu terapeuta. Porque a Ayahuasca da comunhão do Santo Daime é em essência um medicamento para as almas.

Assim como Mestre Gabriel veio a fundar a União do Vegetal em Rondônia de modo absolutamente particular, de acordo com o seu processo de assimilação da cultura amazônica após longa iniciação com o espiritismo caboclo do Nordeste, e disso adviram características próprias para a U.D.V., outros mestres desenvolveram suas escolas e seus rituais etnoterapêuticos, como o Mestre Inácio em Feijó, no Rio Envira, desde os anos 40, dentre outras casas de benzedores conhecedores dessa medicina indígena. O grupo do Senhor Regino, em Porto Velho, que deu origem ao CECLU – Centro Eclético de Correntes da Luz Universal fundado sob autorização do Mestre Irineu em 1970, teve uma trajetória própria porque eram originariamente um grupo kardecista que passou a receber Daime do Acre enviado pelo Mestre Irineu, passaram a estudar a cartilha da Doutrina do Santo Daime para então receberem o fardamento e serem instruídos para a produção própria do sacramento. Segundo Virgílio Nogueira do Amaral, padrinho do CECLU, haviam algumas pessoas no grupo orginal que conheciam os salmos do Frei Daniel e quiseram instrui-los localmente, mas Mestre Irineu disse que cada casa tinha seus próprios adornos e os enfeites de sua casa já existiam e eram as flores dos hinários que deviam ser aprendidos e aqueles que os seguidores viessem a receber para instrução da comunidade.

Importante ressaltar que CICLU e CECLU foram fundados de modo concomitante em estatutos paralelos onde o conceito de “Ecletismo Evolutivo” foi inserido para definir uma visão, na verdade política, do Mestre Raimundo Irineu Serra, de que sua Doutrina poderia sim se expandir em outros lugares e regiões, mesmo que a partir de grupos já oriundos de outra formação religiosa, desde que se preservassem e mantivessem os rituais próprios da sua cartilha, sendo os desdobramentos resultantes das instruções que estariam sendo recebidas por aquele grupo através destes trabalhos e dos hinos dos membros da casa a serem praticados. As características da “seita” permaneciam, deste modo, inalteradas, mas outras linhas de trabalho podiam ser desenvolvidas localmente de acordo com a instrução da liderança espiritual (desde que em outro momento que não o dos rituais do calendário da casa), bem como outras orações podiam ser utilizadas durante as sessões de concentração ou trabalhos de cura domiciliares. Esse modelo do Ecletismo Evolutivo é que deu voz ao Centro Eclético da Fluente Luz Universal Raimundo Irineu Serra, o CEFLURIS, e quando de seu surgimento em 1974, o primeiro estatuto era uma cópia do estatuto do CECLU, pois se guardou o mesmo parâmetro. O CEFLURIS deteve, então, o modelo de expansão da Doutrina, já que outras divisões do Alto Santo se mantiveram no mesmo lugar e apenas o CEFLURIS renovou grandemente seu quadro de membros e se moveu do Acre para o Amazonas, ao mesmo tempo em que autorizava o estabelecimento de subsidiárias em outras capitais.

Quarenta anos após o falecimento do Mestre Irineu, temos o Santo Daime como religião popular da Amazônia transfigurada em diferentes prismas em muitas comunidades espalhadas Brasil afora bem como no estrangeiro. Isto se deve à sua feição amazônica, mestiça, multidiversa como a floresta que lhe dá substância. Os pajés de hoje se admiram de observar essa conquista, e como herdeiros dessa tradição se mobilizam para explicar ao mundo o valor de sua ciência etnobotânica, produzindo muita cultura musical, muita energia terapêutica, numa mensagem de transfiguração que implica em uma releitura dos haveres e deveres dos horizontes culturais de cada um, e num balizamento de um ecumenismo caboclo que lê através dos símbolos e não apenas na sua superfície dogmática alimentada por atavismos e não por metamorfoses evolutivas. Os dois setores, o da preservação das tradições e o da produção da criação dos mitologemas, tem de estar ativos, pois são os polos positivo e negativo para a condução da energia. Tudo está em circuito, um ciclo conduz a outro nessa espiral do tempo, e as Santas Medicinas estão aí para curar a humanidade. Curando o sentido da vida humana, produzimos milagres. Cada um que se encontre com a verdade que existe além das palavras encontrará também o seu lugar no jogo cósmico do planeta, e nisto consiste uma Cultura Viva: é ter na mente o Eterno!  

* conheçam também o blog Cadernos de Hinário

sexta-feira, 12 de outubro de 2012

A lenda viva em Popé

Popé, o grande líder hopi, em arte digital de J. Walker

A aparição do cometa ISON na região da constelação de Câncer, trafegando nas proximidades da órbita de Júpiter em rumo ao Sol, reacendeu especulações junto aos místicos e aos aficcionados pelos eventos astronômicos, sobre se esta seria afinal a Estrela Azul das lendas da Nação Hopi, ou se este seria o Cometa de Kirch que em 1680 riscou os céus do hemisfério norte com grande destaque por seu brilho intenso e sua enorme cauda. Não tenho acesso aos milenares registros astronômicos chineses, que poderiam esclarecer se 333 anos antes de 1680, ou seja, em 1347, um grande cometa foi observado, o que evidenciaria uma mesma periodicidade em relação a 2013, quando o cometa começará a se fazer visível em nosso planeta (nos Estados Unidos da América será justamente no tradicional feriado familiar de Ação de Graças). Mas me interessou investigar como os índios norte-americanos experienciaram a aparição do Grande Cometa de 1680. E os livros de história me levaram novamente aos Hopi e aos céus do atual Arizona...

A Nação Hopi é formada por trinta e uma vilas (pueblos) habitadas por índios, pertencendo a seis grupos linguísticos distintos nos Estados Unidos - partilham uma economia agrícola sedentária e numerosas crenças. Eles têm em comum com as antigas religiões da América Central o mito de várias criações e destruições do mundo. Todos reconhecem seres sobrenaturais, os kachinas, palavra que designa igualmente as máscaras cerimoniais pelas quais as presenças sobrenaturais acontecem na vida ritual dos "Pueblos". Os índios hopi têm um sistema complexo de confrarias religiosas, cada uma presidindo a uma das cerimônias periódicas. Os kachinas (que é também o nome de uma das sociedades religiosas) aparecem em público entre março e julho, enquanto de janeiro a março se exibem nos kivas ou câmaras cerimoniais. Em fevereiro, quando da cerimônia Powamuy, as crianças são iniciadas no culto dos kachinas. Em julho, a cerimônia Niman («reentrada») fecha o ciclo dos kachinas, após o que se inicia o ciclo sem máscaras. Os símbolos mais importantes na vida ritual dos hopis são o milho, simbolizando a vida para este povo de agricultores, e as plumas de pássaro, supostamente transportando as orações dos humanos até aos espíritos.  O pueblo dos Sunhi conhece outras confrarias religiosas, incluindo a dos kachinas e a dos sacerdotes kachinas. Os guerreiros kachinas em 1680  lutaram contra os colonizadores espanhóis, matando os seus sacerdotes católicos e forçando-os a retirar-se para sul. A Revolta Pueblo é conhecida até hoje como a única vitória de uma nação ameríndia contra a invasão européia, e seu líder Popé hoje ressignificado se faz celebrado como herói do Arizona e da nação norte-americana.

A aldeia Oraibi , também referida como Old Oraibi, é  hoje uma aldeia indígena hopi na área do município de Navajo County, no estado do Arizona, nos Estados Unidos, na parte nordeste do Estado. Conhecido também como Orayvi pelos seus habitantes nativos, está localizada na reserva indígena hopi perto de Kykotsmovi Village. Oraibi foi fundada pouco antes do ano 1100, se tornando uma das mais antigas povoações habitadas continuamente dentro dos Estados Unidos. Os arqueólogos especulam que uma série de secas severas no final do século 13 forçou os hopi a abandonarem várias aldeias menores na região e se consolidarem dentro de alguns centros populacionais maiores. Como Oraibi foi um desses assentamentos sobreviventes, a sua população cresceu consideravelmente, e se tornou populoso e o mais influente dos assentamentos hopi. Oraibi permaneceu desconhecido para exploradores europeus até cerca de 1.540, quando o explorador espanhol Don Pedro de Tovar (que fazia parte da expedição de Coronado) encontrou a civilização dos hopi enquanto procurava as lendárias Sete Cidades de Ouro. O contato com os europeus permaneceram (e foram evitados enquanto possível) escassos até 1629 quando uma missão franciscana foi estabelecida na aldeia. Em 1680, a Revolta Pueblo resultou em diminuição da influência espanhola na área e a extinção da missão dos jesuítas. As tentativas posteriores para restabelecer essas missões foram recebidas com repetidas falhas. A primeira (Old Oraibi) missão criada pelos franciscanos ainda hoje é visível como uma ruína. Este antigo povo da raça vermelha continua em pleno século 21 a praticar a sua cultura tradicional, num grau mais elevado que a maioria dos outros nativos americanos. 

Foi devido às humilhações e proibição de sua religião tradicional que os povos Pueblo se mobilizaram contra os espanhóis. Os espanhóis também interromperam a economia tradicional desses povos ao forçá-los a trabalhar nas "encomiendas" coloniais ou nas minas de Chihuahua. Entretanto, os espanhóis também introduziram novas ferramentas agrícolas e proveram medidas de segurança contra os ataques dos Navajo e Apache. Pode-se dizer que os Pueblo viveram em relativa paz com os espanhóis até 1598 quando foi criada a colônia do Novo México. Na década de 1670, duma prolongada estiagem causou fome entre os Pueblo e ocasionou crescentes ataques de tribos nômades vizinhasf, que os espanhóis não estiveram aptos a defender. Ao mesmo tempo, os espanhóis trouxeram a catapora e outras doenças que dizimaram grande parte dos nativos. Insatisfeitos com os poderes protetores da coroa espanhola e desencantados com a religião católica, as pessoas retornaram às suas tradicionais práticas religiosas. Isso provocou uma onda de repressão por parte dos missionários franciscanos. Eles proibiram as danças Kachina e ordenaram a destruição de toda máscara ritual, bastão de reza e imagens dos cultos hopi.  

Em 1675, o Governador Juan Francisco Treviño ordenou a prisão de quarenta e sete pajés Pueblo e os acusaram de praticar bruxaria. Quatro pajés foram condenados à forca, e três dessas sentenças foram executados pois o quarto prisioneiro cometeu suicídio. Os homens restantes foram publicamente chicoteados e sentenciados à prisão. Quando essas notícias chegaram aos líderes Pueblo, eles marcharam em peso até Santa Fe, onde os pajés prisioneiros estavam, e como a maioria dos soldados espanhóis se encontravam fora lutando contra os Apache, o Governador Treviño libertou os prisioneiros. Entre estes estava o chefe Tewa chamado "Popé" (Po'Pay). Popé instigaria a bem sucedida rebelião contra os espanhóis em 1680. Pregando a resistência contra os europeus e a restauração da cultura e da religião tradicional, Popé conduziu seu povo ao objetivo de obstruir toda influência espanhola no território dos Pueblo. Em 10 de Agosto de 1680, sob sua liderança foram mortos cerca de 400 missionários e colonizadores e expulsou os outros espanhóis no rumo de El Paso, Texas. Popé e seus seguidores então procederam a destruir as igrejas cristãs e outras evidências da presença espanhola  no território. Os índios então construíram uma câmara religiosa cerimonial, uma "kiva", nas ruínas da praça espanhola de Santa Fe. Este ficou sendo o único exemplo na História Ameríndia onde um poder colonial foi completamente expulso das terras nativas. 

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Ao observarmos o horizonte celeste do Arizona no solstício de junho de 1680, temos que, antes do raiar do sol, na madrugada. havia um agrupamento raro de planetas junto às Plêiades (Júpiter, Marte e Vênus). Certamente que Popé e os demais pajés tiveram isso como um sinal de sorte, os planos para a revolta foram executados e em Agosto desse ano os espanhóis foram expulsos de volta para o México.  Na cultura Pueblo as Plêiades também são conhecidas como O Veado, e neste 2013 os mesmos guerreiros (Júpiter, Marte e Vênus) estão de volta junto a elas... 

A religião dos HOPI é essencialmente pacífica e envolve o respeito por todas as coisas e seres da Natureza, de acordo com os mandamentos de Maasaw, Criador e Protetor do Mundo. Nos seus ritos religiosos, os hopi pedem benefícios para todos os povos da Terra. Possuem uma cosmogonia que em tudo se assemelha a concepções que parecem repetir-se por todo o planeta, fato indicativo de que, de algum modo, toda a Humanidade recebeu as suas tradições de uma mesma fonte, embora as lendas e profecias tenham adquirido ao longo do tempo pequenas diferenças, insignificantes em relação ao todo e que são resultado de peculiaridades locais. Os hopi também acreditam na emergência e extinção cíclica dos Homens, que se renovam em raças cada vez mais evoluídas rumo a uma purificação espiritual que chegará ao termo ideal na Sétima Raça ou Sétimo Mundo (Em tudo semelhante à cultura hindu dos Vedas) . O fim do mundo segundo a tradição Hopi inclui todo aquele elenco de catástrofes descritas em outras profecias, desastres naturais inevitáveis, considerando esta tradição que o cruzamento entre as órbitas da Terra e de um astro de grandes proporções - seja planeta, asteroide ou cometa (ou uma estrela Anã Marrom, companheira de nosso Sol) - produzirá evidentemente, grandes alterações no ecossistema terrestre. Este fim do mundo segundo os Hopi também inclui a ideia de uma punição, de um karma negativo a ser resgatado, prevendo que a chegada de uma estrela azul em nosso sistema solar virá coroar uma seqüência de nefastas ações perpetradas pelos homens: irá acontecer uma guerra e esta será também um confronto entre valores materiais e valores espirituais. Somente os HOPI, ou os Pacíficos (de todos os povos), serão poupados, restarão uns poucos sobreviventes, sementes do Quinto Mundo, o próximo. 

Existe uma rocha de arenito num penhasco perto de Second Mesa, que pertence à reserva Hopi no Arizona. Neste penhasco está gravada uma imagem do nosso passado, presente e futuro. Este local é mais comumente conhecido como a rocha da profecia hopi. Os sinais que anunciam o grande final já estão a acontecer há algum tempo e são igualmente parecidos com todos aqueles citados em outras profecias, das mais variadas culturas pelo mundo, a grande maioria decorrentes dos aspectos negativos do notável avanço tecnológico alcançado pela Humanidade e conseqüente falta de espiritualidade. Os hopi, assim como outros povos, foram “salvos de uma grande dilúvio” no passado e estabeleceram um acordo com o Grande Espírito (O Criador) em que nunca mais se separariam dele. Então ele fez um conjunto de sinais deixados em tábuas de pedra sagradas chamadas Tiponi, gravadas na rocha na velha aldeia em Oraibi nas quais inseriu os seus ensinamentos, profecias e avisos. A profecia desta rocha descreve dois tipos de caminhos: o caminho daqueles que pensam preferencialmente com a cabeça (intelecto) e o daqueles que pensam mais com o coração (que compreendem a beleza e a sacralidade de toda a vida universal).


A profecia mais persistente e confirmável é uma que foi dada nos tempos antigos pelos Anciões Hopi. Esta profecia foi passada através da tradição oral e pela referência às tábuas antigas, escritas na rocha. Os anciões revelaram que haveria nove Sinais antes que surgisse o 5º Mundo. Este quinto novo (também coincide com a idéia hindu encontrada nos Vedas) mundo seria um mundo de paz e de abundância – uma Nova Terra. Podemos dizer que o primeiro caminho é o daqueles que usam mais o hemisfério esquerdo do cérebro, privilegiando o pensamento analítico, enquanto que o segundo caminho é o daqueles que usam mais o hemisfério direito, servindo-se mais do pensamento intuitivo. O homem moderno tem pouco equilíbrio porque vive numa sociedade em que o hemisfério esquerdo é o dominante. Atualmente damos mais ênfase ao raciocínio analítico e menos importância à intuição e aos sentimentos. A profecia da rocha mostra um entroncamento no qual todas as pessoas vão ter de fazer uma escolha, ou continuam a pensar apenas com a cabeça ou decidem começar a pensar mais com o coração (o quarto Chakra, o Anahata, um centro sentiMENTAL, do amor incondicional pela vida). Se escolherem o primeiro caminho, isso irá guiá-las à autodestruição, mas se escolherem pensar com o coração, então gradualmente regressarão ao estilo de vida natural (e pelo respeito à Mãe Terra e a sua natureza) e sobreviverão. 

Uma das profecias hopi parece estar relacionada as estrelas da Constelação das Plêiades e profetisa: “Quando a Estrela Azul Kachina fizer sua aparição nos céus, o Quinto Mundo começará. Este será um dia de purificação. Então haverá muito para reconstruir. E logo após Pahana (significa irmão branco dos céus) desaparecido, retornará e trará com ele o amanhecer do Quinto Mundo. Esta lenda da volta do Pahana parece estar intimamente relacionada com os Aztecas e a história de Quetzalcoatl, (assim como outras lendas da América Central). "Ele plantará as sementes da sabedoria nos corações das pessoas. Até mesmo agora as sementes estão a ser plantadas. Isto abrirá o caminho para o aparecimento do Quinto Mundo”. A profecia hopi refere que o aparecimento da Estrela Azul Kachina nos céus iniciará um período de grande purificação, um período em que a Terra será purificada e limpa da negatividade, em preparação para o surgimento do 5º Mundo (“virá quando Saquasohuh – a estrela azul – Kachina dançar na praça e remover a sua máscara”). 


O Grande Cometa de 1680 em Rotterdam, pintura de Atlas van Stolk

terça-feira, 9 de outubro de 2012

O tempo espiral

Árvore da Criação - Arte Maya (Izapa) 

Cada ano das datas, a quais os mayas chamavam tun, tem 360 dias. Se retornarmos a data de criação, com seus ciclos fixados em 13, vemos que o ciclo maior necessitaria 41.943.040.000.000.000.000.000.000.000 tunes para mudar de 13 a 16.  Este número enorme funciona em vários níveis. Como vimos, permite que o tempo linear se desloque dentro de uma estrutura cíclica. À medida em que os ciclos do número da Criação vão sendo maiores, os seres humanos só podemos percebe-los como uma tangente em um ciclo inimaginavelmente enorme. Tomando uma analogia de nossa própria cultura, a terra se experimenta como plana, apesar de que sabemos que é redonda. Nossa própria teoria do Big Bang da Criação segue o mesmo modelo. Nossos cosmólogos consideram que este universo é apenas um a mais entre uma série de muitos e que, andando o tempo, sua matéria vlrá a colapsar-se em um bloco e de novo fará explosão. Entretanto, o assunto aqui não é realmente a comparação entre cosmologias. O importante é que os mayas do Período Clássico conceberam o tempo em uma escala cíclica tão grande. Para eles o tempo só aparenta deslocar-se em linha reta. A data da Criação é um ponto marcado em círculos cada vez maiores dentro de círculos incluídos em outros círculos de tempo.
Para entendê-lo necessitamos uma pequena escala. Os 13 deste enorme número atuam como o 12 de nossos relógios: a hora que se segue às 12 é a 1. O 13 mudava para 1 cada vez que se completava um daqueles ciclos do calendário maya; portanto, temos a seguinte sequência:


13.13.13.0.0.0.1               5 imix            9 kunik´ú                 14-08-3114 a.C.

13.13.13.0.0.1.0               11 ahaw       3 pop                        02-09-3114 a.C.

13.13.13.0.1.0.0               13 ahaw       3 kumk´ú                 07-08-3113 a.C.

13.13.13.1.0.0.0               2 ahaw         8 mak                       01-05-3094 a.C.

13.13.1.0.0.0.0                 3 ahaw         13 ch´en                   15-11-2720 a.C.

13.13.13.0.0.0.0               4 ahaw         3 k´ank´ín                23-12-2012 d.C.

13.1.0.0.0.0.0                    10 ahaw       13 yaxk´ín               15-10-4772 d.C.

1.0.0.0.0.0.0                      7 ahaw         3 zotz´                      22-11-154587 d.C.
 

Fonte: “EL COSMOS MAYA – Tres mil años por la senda de los chamanes”, de David Freidel, Linda Schele e Joy Parker – Fondo de Cultura Económica, México, 1999) . Leiam também: "A frequência do Sol é uma oitava", no blog O Sol Interno. Imagem: Star Nation

quinta-feira, 20 de setembro de 2012

O Povo de Jurupari



Enviado por unescoSpanish em 24/11/2011
UNESCO: Lista Representativa del Patrimonio Cultural Inmaterial de la Humanidad - 2011
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Los chamanes jaguares de Yuruparí constituyen el patrimonio común de numerosos grupos étnicos asentados a orillas del río Pirá Paraná, al sudeste de Colombia. Basados en sus conocimientos sagrados tradicionales, los chamanes curan a las personas, previenen enfermedades y revitalizan la naturaleza. Durante la ejecución del ritual Hee Biki, los jóvenes varones aprenden las normas tradicionales en el contexto de su paso a la edad adulta. Se reputa que los conocimientos de los chamanes se han heredado de un mítico Yuruparí omnipotente, una anaconda que vivió como persona y que se encarna en unas preciadas trompetas sagradas. 
Colombia © 2010 ACAIPI, Fundación Gaia Amazonas. 4 Direcciones Audiovisual. National Geographic T.V. Duración: 00:10:26 

sábado, 8 de setembro de 2012

vetorial equilíbrio



Imagem divulgada a 7 de setembro de 2012: feita pelo telescópio Hubble, operado pela agência espacial americana, a Nasa, mostra o centro do aglomerado globular M4, que concentra dezenas de milhares de estrelas, principalmente anãs brancas, e está a 7.200 anos-luz de distância da Terra. (Foto: ESA/Nasa)
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                "O êxtase religioso é fruto da convicção.
                   A convicção é necessidade do espírito.
                   O espírito é necessidade da matéria em superar-se.
                   A superação da matéria vem como necessidade do espírito.
                   A matéria é um reservatório da existência Divina.
                   A existência Divina é inadpreensível e não se detêm.
                   De dimensão a dimensão se encontra a velocidade do espírito, a material de espaço a espaço. 
                   A realidade só pode ser observada em fragmentos, pois a compreensão humana é fractal desde que o espírito do homem se fez indivíduo.
                   A distinção entre ser e não-ser é a identidade disso obtida.
                   Para superar-se a dúvida, resta a clareza, e não se pode basear-se alguém em clareza maior ou menor, pois isso depende do ponto de proximidade à fonte de luz (o que não se calcula).
                   Luz é ensinamento, pois significa um caminho de visão, observação e entendimento.
                   A visão é resultada da luz, a observação é resultada da visão, e o entendimento é resultado da observação, que pode ser correta ou errada: pode alguém compreender erradamente a finalidade de um objeto ou processo qualquer.
                   Para que a observação seja correta é necessário que o agente observador tenha memória de parâmetros correlatos e relativize também uma margem de mudança a qualquer padrão estabelecido.
                   Imutáveis são os enigmas até que os vençamos.
                   Um enigma se vence pelo entendimento correto.
                   Erros e acertos são traduções do movimento cósmico – um acerto vale mais do que muitos erros, e por isso existe maior margem de erro que de acerto: para que haja equilíbrio.
                   Cada um é convidado a participar dessa dança cósmica desde que obtém sua existência, e o jogo divino representa uma batalha em cada microcosmos.
                   Toda batalha visa à sobrevivência, pois a sobrevivência é a maior das batalhas.
                   O vencedor terá a Vida Eterna, pois vence antecipadamente todo aquele que vive em instantes de Eternidade.
                   Um átimo de segundo faz-se Eternidade à compreensão fractal humana, e a Eternidade faz-se um átimo de segundo à compreensão plena de Deus.
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                   Meu planeta é regido pelo dualismo, pois do desequilíbrio faz-se o equilíbrio (ou seja, do desequilíbrio se deduz a existência do equilíbrio: por isso se diz que do Caos foi criado o Universo).
                   O equilíbrio propicia a vida, enquanto o desequilíbrio a destrói.
                   Minimizar o desequilíbrio é condição para garantir o mínimo de equilíbrio (a base).
                   Noções de equilíbrio são forças de sustentação tanto do espírito quanto da matéria, e por conseguinte de tudo que os envolve.
                   O envoltório cósmico é permeável saudavelmente se essa permeabilidade estiver distribuída como um todo em equilíbrio. Qualquer canal maior de penetração desse envoltório representa violência ao repositório cósmico, e desequilíbrio, mas esse desequilíbrio pode estar equilibrado em relação a outros desequilíbrios em igualdade de distância colocados, permitindo a sua redução máxima a um equilíbrio anterior/posterior.
                   A neutralidade é um estado de alerta, por intermediário entre situações opostas.
                   A oposição é uma face do Universo.
                   O magnetismo relativiza a oposição em contraposição.
                   Entre os diversos planetas existem tempos diversos, e a fonte dessa diversidade é o instante criador.
                   Através do Tempo se pode tangenciar o Criador na Criação.
                   Ser tangente ao Criador significa fazer parte d’Ele.
                   O fragmento perdido é o mistério do Universo, e por isso não existe fim para quem perdeu o começo.
                   Quem participa do agora só possui o começo e o fim se possuir humildade de ser o resumo possível de si mesmo, a incompreensão a serviço da compreensão.
                   Considerada a incompreensão, a compreensão é possível.
                   O fragmento resume o todo dentro dos seus limites, o todo está no fragmento e o fragmento já não está no todo.
                   O fragmento estando no todo, já não é fragmento, mas o todo. Pode-se estar e não-estar, e dessa variação de tempo é que advém o absurdo.
                   O absurdo é um estado de transição entre uma realidade e outra, confundidas entre si no momento da lagarta. Mas lagartas não se transformam em beija-flores, pelo menos não no tempo que temos capacidade humana de observar.
                   O que está além da compreensão humana é a Sabedoria Divina, que da incompreensão faz degrau para baixo ou para cima, conforme o sentido desejado pelo indivíduo.
                   Depois de ultrapassado o degrau, não soará mais a mesma tecla – o grau do som será sempre diferente, compreenda-se ou não essa precisão sub-atômica,
                   A escola da vida é verdadeiramente uma escala, e a música das esferas são acordes de anjos.
                   Anjos são seres que olham para o Senhor da Criação.
                   O instante da Criação é a semente de toda a Eternidade.
                   Pai, Filho, e Espírito Santo, na nossa Mãe se encerram, por isso
                   A cápsula do Universo é oval."



                            Kilimanjaro, Lua Cheia de fevereiro de 1993. EBN PaeMuka

sexta-feira, 31 de agosto de 2012

Viva nossa Pachamamita!


CONTROLE MÚSICA QUECHUA 

EFEITO VENTO 

REPORTER Estamos em Puno, junto ao imenso e azul lago Titicaca. Em agosto as comunidades indígenas, quechuas e aymaras, celebram e agradecem à Mãe Terra, a Pachamama, deusa da fertilidade. 

CONTROLE SOBE MÚSICA QUECHUA 

REPORTER Conversamos con Gumersinda Vargas, locutora de uma jovem e dinâmica emissora punenha que leva esse mesmo nome, Radio Pachamama. Diga-me, Gumersinda, para vocês, indígenas dos Andes, que significado tem a Pachamama? 

GUMERSINDA Bom, a Pachamama para nós é uma coisa muito grande, muito santa. É algo muito sagrado para as mulheres e os homens do mundo andino. No mês de agosto pensamos que a Pachamama tem de fome. Dizemos assim porque no mês de agosto recebe com maior satisfação todas as penas, as alegris que temos no povo, em nossa familia, em nossa comunidade. Lhe recordamos à Pachamama com bastante veneração, com bastante carinho, porque da Pachamama vivemos, aqui nascemos. Desta Pachamama comemos. 

REPORTER Vocês falam de fazer o "pago" à terra, à Pachamama. Como é isso? 

GUMERSINDA Para o pago à Pachamama temos que coordenar com a família ou com a comunidade. Temos que buscar a um "pakko". Esse "pakko" é o que celebra toda a cerimônia da Pachamama… Nos dão uma lista para fazer a compra para uma missa doce. 

REPORTER Uma missa doce? 

GUMERSINDA A missa doce está cheia de muitas coisas. Por exemplo, se queremos que nossa família vá bem, não nos falte comida, não nos falte uma casa, não nos falte o amor dentro da família, então há uma casinha de doce, há um casal que nunca vai romper o casamento. Logo nos pedem o incenso, as velas de cor. Nos pedem carvão, nos pedem o álcool para fazer a "chama", nos pedem a mistura, os confeitos… principalmente a coca. 

REPORTER Coca? Folhas de coca? 

GUMERSINDA São folhas grandes de coca que temos que comprar especialmente. E com o vinho e a água doce dos confeites temos que fazer nossos desejos. Pedir-lhe com muito fervor, com muito carinho, com muito amor, dizer-lhe: "Pachamama bendita, que em minha família não haja brigas, que não nos falte o que comer." Vamos pedindo-lhe à Pachamama a través destas folhinhas, mas inteiras, e as mais bonitas e as mais verdes. 

REPORTER As folhas de coca são sagradas para vocês?  

GUMERSINDA São sagradas, sagradíssimas.Porque nos servem para o trabalho, para aliviar-nos. Dizem que a coca é má. Mas não, a coca não. Para nós a coca é uma coia que nos acompanha em nossa vida. Nos acompanha no trabalho, nos acompanha de dia e de noite. Em nossas tristezas e em nossas alegrias, nunca nos falta a coca. A coca sempre está conosco. 

REPORTER Voltamos ao pago à Pachamama. Como o fazem? 

GUMERSINDA Temos que jogar vinho no lugar onde vamos fazer o pago à Pachamama… E tudinho ao redor fazemos o cerco e acendemos com álcool, com fogo acendemos, e aí é onde nos recebe todas estas intenções a Pachamama. Em nossa família sempre preparamos depois da Pachamama um comidinha especial, saborosa. É como uma festa. Nos abraçamos com gosto toda a família, toda a comunidada, e lhe dizemos: "Obrigado, Pachamama bendita". E comemos, muitas vezes dançamos. Esse é nosso costume. E esse é o costume que nos deixaram nossos antepassados. 

REPORTER Gumersinda, por que não nos faz uma oração, em quechua, à Pachamama para que neste mês de agosto bendiga a todas as mulheres e homens que cremos nela, também a Radialistas? 

GUMERSINDA Vamos fazer nossa oração à Pachamama. 
ORAÇÃO EM QUECHUA 
OBRIGADO, Pachamama! 


Para escutar o programa, acessem o site colombiano "Radialistas Apasionadas y Apasionados

domingo, 26 de agosto de 2012

O Espírito de Huáscar Inka


Sky Spirits, pintura visionária de Pablo Amaringo, do Imaginário Amazônico da Ayahuasca.

SEQUÊNCIA 9 _ O Sumo-Sacerdote e Manco Inka
...
A visita dos três soldados aconteceu em março de 1533, decorridos quatro meses da captura de Atahuallpa. Cerca de um mês mais tarde, portanto em abril do mesmo ano, temos em Cusco uma reunião entre o Sumo-Sacerdote e Manco Cápaq Inka Yupanki, irmão legítimo de Waskar que se fará depois conhecido como Manco Inka. O cenário é o Qorikancha arrasado pelo grande saque realizado pela retirada do resgate de Atahuallpa, e o horário as primeiras horas do dia, quando os raios de sol parecem mais dourados por entre a tênue neblina.
Manco Inka chegou e contempla desolado o templo vazio. O Sumo-Sacerdote entra acompanhado de dois sacerdotes que prudentemente se conservam à distância do encontro dos dois.
MANCO _ Meu tio, o Senhor mandou me chamar...
SUMO-SACERDOTE _ Manco Cápaq Inka Yupanki, é chegada a hora de conversarmos sobre o destino deste Império...
Se saúdam e o Sumo-Sacerdote conduz o príncipe, pouco mais velho que Waskar, a um aposento onde poderão se sentar. Enquanto caminham até lá conversam:
MANCO _ O Senhor deve ter o coração partido de contemplar essas paredes sem o esplendor de antes... Como o Supremo Criador aceitará toda essa desolação?
SUMO-SACERDOTE _ Em verdade já esperávamos que isso acontecesse... Lembra-te que teu irmão Waskar Inka ordenou que retirássemos daqui o sagrado óvulo que pertencia ao nosso Pai Manco Cápaq, e muitos o julgaram como louco? Agora sabes o porquê...
MANCO _ Esse maldito Atahuallpa! Como poderia querer ser Inka se desprezava nossa própria religião, que é o sangue e a vida do Império?
Entram no aposento onde se sentarão, e lá a velha Sacerdotisa que foi vista na seqüência anterior os aguarda com uma provisão de alimentos da região, para a primeira refeição do dia. Saúda-os, mostrando os alimentos (tubérculos, espigas cozidas de milho branco, pedaços de queijo, mel) e logo depois se retira para que conversem a sós. O Sumo-Sacerdote oferece um lugar para que Manco tome assento, e louvando a beleza dos alimentos toma seu lugar. Enquanto vão conversando, comem com as mãos e mastigam deleitosamente como se aproveitassem o sabor dos alimentos.
SUMO-SACERDOTE _ Pedi que viesses hoje ter sua primeira refeição comigo, príncipe, para que começando assim o dia juntos começássemos também a tratar de nosso futuro à frente do Império...
MANCO _ Nosso futuro?
SUMO-SACERDOTE _ O longo tempo em que Atahuallpa permanece prisioneiro já extenuou os guerreiros que haviam lutado do seu lado contra a nossa gente. Estão decepcionados porque percebem que foram ao fim de tudo derrotados, e agora ainda mais, que sabem que mesmo havendo recebido o ouro e prata com que Atahuallpa pretendia comprar sua liberdade, os homens brancos não o soltaram, antes disseram que ele será julgado como criminoso de guerra. Sabem que esses homens brancos são piores que diabos, que têm armas que cospem fogo e grandes animais sobre os quais caminham sem cansar os pés... Na verdade, sabem que Atahuallpa terminará ao final de tudo sendo morto, e nunca chegará a Cusco com sua falsa maskaypasha para proclamar-se Inka de nossa gente... Calicuchima já não dorme de tanta angústia, e Quisquiz parece ter se esquecido do que veio fazer em Cusco.
MANCO _ Está certo o castigo de Atahuallpa, e afinal foi para isso que meu irmão Tubalipa foi ter com os homens brancos e ajudou-os a chegarem até Cajamarca. Mas o grande Inka Waskar, onde ele está agora? É verdade que Atahuallpa fez com que o matassem?
SUMO-SACERDOTE (solene) _ Waskar vive!
MANCO (o rosto subitamente iluminado) _ Vive!!! Então teremos como expulsar os forasteiros...
SUMO-SACERDOTE _ Não!... Waskar conseguiu para si escapar das mãos de Atahuallpa, mas já não governa, não tem mais o destino de ser Inka e comandar o nosso povo... Entenda, Manco _ era essa a profecia que meu irmão, o grande Inka Wayna Cápaq, esperava que se cumprisse em seu filho. Sabíamos que seriam em número de doze os governantes desse Império, e foram _ um, Manco Cápaq; dois, seu filho Sinchi Rocca; três, o neto de Sinchi Rocca, que foi Lloque Yupanki; quatro, o grande Mayta Cápaq... Depois Cápaq Yupanki usurpou o poder, foi o quinto Inka; seu filho Inka Rocca foi o sexto; Yawar Tupaq, a quem chamavam Inka Yupanki, foi o sétimo, mas morreu pelas mãos da gente do Contisuyu, motivo pelo qual fizeram de seu tio Wiraqocha Inka o oitavo Imperador... Veio Pachakuteq Inka e reformou o Império, pondo fim a essa dinastia amaldiçoada, foi o maior Imperador que esta terra já possuiu e o que teve maior poder. Tupaq Yupanki, seu filho, foi o décimo Inka, e Wayna Cápaq, meu irmão, teve a dita de saber que em seu tempo começariam a chegar à esta terra os primeiros homens brancos, e que o filho que escolhesse para sucede-lo devia estar preparado para o pior...
MANCO _ Ninancuyuchi era o herdeiro escolhido por meu pai!
SUMO-SACERDOTE _ Sim, mas porque ele sabia que existia entre nós gente que pretendia usurpar o poder, como fizera Cápaq Yupanki contra seu irmão Tarko Wamán que era o legítimo herdeiro... Por isso disse a todos que Ninancuyuchi seria Inka, pois assim, quando o mataram, descobriu quem era a víbora que havia entre nós!
MANCO _ Atahuallpa...
SUMO-SACERDOTE _ Por isso Atahuallpa foi levado para bem longe daqui, e por isso Waskar seu irmão deu-lhe poder para que ele ficasse em Quito...
MANCO _ Agora eu compreendo.
SUMO-SACERDOTE _ Lembra quando a guerra começou? Waskar Inka mandou dizer a Atahuallpa que viesse a Cusco dar conta de seu trabalho, lembra-se disso? Sabíamos que Atahuallpa não viria, com medo de perder seu comando, e começaria a lutar contra nós...
MANCO _ Sim, me lembro.
SUMO-SACERDOTE _ Isso aconteceu quando chegaram em Cusco os primeiros homens brancos _ Don Cesar, Hernán, Ramón e Javier... Foi então que Waskar teve a confirmação de que era tempo da profecia se cumprir, e decidiu chamar Atahuallpa aqui para que o conflito tivesse início e assim os invasores que chegassem pelo mar teriam motivo de ir primeiro contra Atahuallpa, e não contra nós...
MANCO (perplexo) _ Agora compreendo o que meu irmão quis fazer!
SUMO-SACERDOTE (parecendo mais sombrio) _ A única morte digna para um Inka é aquela em que ele termina seus dias por vontade do próprio Criador, lutando pela sua liberdade... Lembra-te sempre disto, Manco: teu dia também chegará.
MANCO _ O que o Senhor quer dizer? Que eu serei Inka?
SUMO-SACERDOTE (tentando sorrir) _ Já tens um nome talhado para essa tarefa: Manco Cápaq Inka Yupanki... Na verdade, temos de fazer crer a toda a gente que não esperamos mais a volta de Waskar, que para nós o temos por morto, e que portanto o conselho reunido dos clãs escolherá o nome de um dos príncipes para suceder a Waskar, já que Atahuallpa não pode pretender o poder, não tem sangue de filho do Sol, não merece ser chamado de grande Inka entre nós...
MANCO _ O Senhor me deixa sem fala...
SUMO-SACERDOTE _ É importante que os homens brancos já não procurem por Waskar. É mais importante ainda que os homens de Atahuallpa constatem que nós não acreditamos que ele possa estar vivo... Faremos a reunião do conselho, e por teu valor e nobreza é certo que todos concordarão em fazer de ti nosso rei, com o nome de Manco Inka.
MANCO (confuso) _ Bem sabeis que não estou preparado para tal, e sequer tenho irmã com quem me casar para ter uma descendência legítima...
SUMO-SACERDOTE _ Manco Inka... Governarás, mas não terás verdadeiro governo: não vês o estado em que deixaram esse Templo sagrado aqueles homens? É uma gente cruel a que vem dominar nosso povo, é uma gente que quererá de nós tudo o que temos, e que começará pondo fim à nossa religião, aos nossos templos, aos nossos lugares de celebração... Para eles, somos nós os diabos... Eles trarão outro modo de celebrar o Supremo Criador, a imagem da dor e do martírio, e nós teremos de aceitar. Até o dia em que nossa terra possa voltar a dar frutos... Mas até lá, todos nós, desse tempo, já estaremos mortos, não veremos esse dia em que o povo das montanhas será liberto da opressão dos homens brancos...
MANCO _ Se é assim, é difícil que eu consiga receber o nome de Manco Inka. Prefiro ir para a selva, e encontrar meu irmão Waskar...
SUMO-SACERDOTE _ Não o farás! Se aproxima a grande festa do Inti Raymi, e talvez seja a última oportunidade que teremos de comemorá-la conforme a tradição... Nessa festa serás tu quem se apresentará como comandante de nossa gente, pois é este o teu destino, ser lembrado para sempre como Manco Inka. E tu ainda, em nome de nossa família, dos filhos do Sol, receberás em Cusco o chefe dos homens brancos que virá para nos governar... Fará isto para que a gente de Atahuallpa se dê conta de que perderam, de que foram derrotados, de que o poder de Waskar Inka jamais passou a Atahuallpa, que o poder de Waskar Inka passou a ti, seu verdadeiro irmão, seu verdadeiro amigo...
MANCO _ Não os poderei obedecer, meu tio, e eles hão de querer me matar...
SUMO-SACERDOTE _ O dia em que perceberes isso, junta tua gente, sai da cidade, vai à selva _ com certeza encontrarás um refúgio, mas nunca tão longe que a mão dos inimigos um dia não te alcance. Mas morrerás em liberdade, pelas mãos do Criador, isso eu te posso garantir...
MANCO _ E nunca mais verei meu irmão Waskar?
SUMO-SACERDOTE (erguendo-se) _ Estarás protegendo-o, tranqüiliza teu coração com esta certeza: tudo o que farás de hoje em diante será para defender a vida e a paz de teu irmão. Guarda este segredo, do que conversamos entre nós, e te sentirás feliz no momento de tua morte.
MANCO(levantando-se) _ Se é assim, eu serei Inka!
O Sumo-Sacerdote abraça o príncipe Manco Cápaq, que irrompe em pranto.
Plano de conjunto, música de fundo, termina a sequência.
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Trecho do Roteiro Cinematográfico "WASKAR E O VINHO MÁGICO", resultado das pesquisas sobre o Rei Huascar e porque Huascar Inka não possui o devido destaque na historiografia peruana. Na verdade Atahuallpa nunca entrou em Cusco como Imperador de fato, nem foi legitimado pelos sacerdotes principais do Tahuantinsuyu. A imagem de Atahuallpa prisioneiro foi usada pelos espanhóis como um eficaz golpe de marketing político em pleno século 16 a fim de apresentá-lo como rei avassalado, ícone da derrota espiritual do povo andino, mentira esta que surgiu para justificar um inequívoco fato histórico: nunca as tropas de Pizarro puderam chegar ao verdadeiro Inka.
Autoria de Eduardo Bayer Neto, que pretende transformá-lo em filme de animação numa produção Brasil-Peru. Direitos Autorais reservados na BN. Outras informações sobre minha pesquisa, consultem os links: 

07 Mai 2007
Edmundo Guillén Guillén, historiador peruano nascido em Lucanas, Ayacucho, em 1921, era doutor em História, doutor em Educação e advogado, catedrático da Universidad Nacional de Ica, sendo presidente da Academia ...
20 Jun 2007
Como a palavra "inka" é substantivo em quechua para dizer "monarca", relatos sobre incas anteriores referem-se obviamente a governos monárquicos havidos naquela região. Entretanto, não podemos efetuar uma mera ...
17 Jul 2007
Fonte: Lobo do Cerrado. Q´eros realizando pagos rituais. Em meu livro "O Verdadeiro Inka" (1999), assim relatei a conexão entre a permanência do mito de Inkari e a imanência do sistema religioso andino em continuidade: ...
14 Set 2008
A arte de traçar kenê pertence tradicionalmente às mulheres, quem, segundo a cosmologia aprenderam a fazer desenhos copiando-os do corpo de uma mulher Inka, proveniente do eterno mundo de fogo do sol que...
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sábado, 18 de agosto de 2012

Os Desterrados


Há coisas que duram para sempre. Não os livros. Entre os humanos a magia da letra escrita, cuja expressão em som tem o seguro dom de comunicar a voz de quem inexiste ou já deixou o mundo dos vivos àqueles que de outro tempo/espaço desfrutam, foi um primeiro segredo, os primeiros códigos de registro. A busca pela permanência vem do homem preocupado em marcar presença em uma paisagem determinada correspondente à grande parte de sua identidade básica: as raízes da cultura são entrelaces de sonhos compartilhados sob um céu em comum, dentro de um horizonte-limite estabelecido por regras identitárias. Os livros sagrados são totens e tabus, inscrevem-se no imperecedouro, calhau do rio do tempo que recolhe o conjunto daquilo que chamamos maravilhas das civilizações, maravalhas que são o refugo das esperanças mais indeléveis, reciclagem das entranhas planetárias expostas por seus filhos humanos sedentos de sabedorias, e talvez hajam pérolas trituradas por alquimistas das palavras na pretensão de engendrar outra nova esfera, quando na verdade um grão de areia (e a natureza da ostra) seja tudo o que é preciso... Mas livros não escapam a consumição das eras, despedem-se muitas vezes insepultos, desfazendo-se em suas próprias carnes, virando pó como o homem que dele se alimentava e nutria. O que permanece é só o que o homem guarda consigo, gravado em sua alma, e reformula de acordo com o que encontra ao seu redor no momento de sua vida, que na fruição dos milênios todos não passe talvez de uma vertiginosa fração quântica. Um a um, passa a corrente.
As culturas humanas têm o dom de dar suporte a experiências coletivas de mundo, servindo como plataforma e portanto impulsionando a liberdade de seus indivíduos. Ao mesmo tempo essas mesmas culturas também servem quase sempre para limitar, constranger, coibir, cercear, esvaziar de conteúdo próprio, a tudo aquilo ou a todo aquele que não se enquadre em seu sistema ordinário, seja oriundo dela própria ou nela insertado ou contrastado posteriormente. Os limites do Eu e do Tu, do Eu e do Outro, os instrumentos culturais de Identidade e Alteridade, são sistemas que balizam a vida em sociedade, e embora pretendam justificar-se, por noções religiosas ou hierárquicas, como “ordenações celestiais”, são seguramente meros “memes” culturais engendrados por seres pensantes chamados Homo sapiens.
As culturas se adaptam, ou morrem. O excesso de especialização, o nicho ecológico restrito, a inflexibilidade em relação às interações com outros seres, são etapas que conduzem à extinção de uma espécie viva na natureza, e com as culturas humanas não acontece diferente. Faz-se necessário avaliar a capacidade de autoadaptação para arriscar transformações, o que é o mesmo que dizer que faz-se necessário consciência. Uma consciência holística do processo referente, isto seria um foco estabelecido para uma progressão que levasse o ser (ou a cultura) a um novo estágio (de ser, ou de cultura) onde o diagrama ou espectro de ações fosse reconfigurado. Esta integridade muitas culturas indígenas da Amazônia e de outras regiões da América mantém, e por isso não podemos considerar que se dirijam à extinção, pois praticam um exercício adaptativo já há muito tempo, observando os ritmos maiores da natureza e integrando-se a eles ao longo de sua floresta-jornada, sempre pronta a reconfigurar-se. São especializadas em um corpus cultural específico sim, mas, sendo grandemente permeáveis entre si, as culturas ameríndias aprenderam o jogo da sobrevivência coletiva. Resta saber se o ritmo acelerado do tempo do trabalho tecnologizado lhes concederá sustentabilidade para tamanha façanha.

sexta-feira, 27 de julho de 2012

Carta da COIAB



A Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira-COIAB,
vem de público exigir a imediata revogação da Portaria 303 da
Advocacia Geral da União (AGU) que orienta os órgãos do governo
federal a aplicar as condicionantes decididas pelo Supremo Tribunal
Federal na demarcação da TI Raposa Serra do Sol/RR, para todas as
terras indígenas do país. Somente a SUSPENSÃO dos efeitos como
anunciado, não é suficiente. Exigimos sua revogação.

De forma arbitrária, essa Portaria antecipa a decisão final do Supremo
Tribunal Federal sobre o caso e estabelece seu efeito vinculante as
demais terras indígenas, expressamente negado recentemente pelo
Ministro Ricardo Lewandowski, numa Reclamação do Município de
Amarante/MA contra portarias da Funai.
A Portaria, o que é ainda mais grave, questiona a validade de tudo o
que já foi feito em relação à demarcação das terras indígenas. Isso
quer dizer que inclusive as terras já demarcadas, poderiam ser
revistas. Ela atende assim plenamente as expectativas dos grileiros de
se apossarem definitivamente das terras indígenas.

A inciativa da AGU rasga todas as letras da Carta Magna do país e com
ela os direitos indígenas reconhecidos pela Constituição Federal e
pela Convenção 169 da OIT e afronta a memória das numerosas lideranças
indígenas mortas pelo latifúndio, que entregaram a vida para assegurar
a terra sagrada para o futuro de seus povos. Com as incertezas
levantadas sobre a legalidade da demarcação das terras indígenas
estimula irresponsavelmente uma nova onda de violência contra os povos
indígenas.

Essa portaria faz parte de uma série de iniciativas, tomadas no âmbito
do Executivo e do Legislativo que visam desconstruir os direitos dos
povos indígenas, das comunidades tradicionais e da natureza, a exemplo
das Portarias Interministeriais 420 a 424, que estabelecem prazos
irrisórios para a Funai se posicionar frente aos Estudos de Impactos e
licenciamento de obras, da mudança do Código Florestal para facilitar
a exploração da natureza e da PEC 215 para inviabilizar a demarcação
das terras indígenas. A finalidade é remover os chamados obstáculos ao
desenvolvimento, com a incorporação de novas terras para o agronegócio
e  facilitar o acesso e a super exploração dos recursos naturais.

As terras indígenas e a luta dos povos indígenas para manterem seus
projetos próprios de vida resistem contra essa perspectiva
insustentável do ponto de vista social e ambiental. Na região sul da
Amazônia, por exemplo, é facilmente percebível como as terras
indígenas aparecem como verdadeiros oásis verdes em meio a terra
arrasada pelo latifúndio, sem florestas e sem gente.

A luta pela revogação da Portaria 303, contra a PEC 215 e em defesa
das terras indígenas, por isso, não é só dos povos indígenas, mas de
todos aqueles que estão preocupados em assegurar condições dignas de
vida para as futuras gerações.

Manaus, 24 de julho de 2012.

Coordenação das Organizações Indígenas – COIAB