segunda-feira, 1 de abril de 2013

Guerra e Paz entre os Xamãs


Durante toda sua carrera, Moebius se inspirou nos xamãs que conheceu em sua juventude no México, como este que aparece em 40 dias no deserto (1990)

Na estrutura dramatúrgica clássica, para que haja enredo é necessário contrapor ao Protagonista um antípoda, o Antagonista. Para que haja diálogo é necessária a controvérsia, para que haja aprendizado é necessário haver o equívoco: a ciência vive de confrontos assim, bem como as religiões. Na filosofia estudamos, em Martin Büber, o Eu e o Tu enquanto jogo de opostos que se atraem e se repelem continuamente. Na antropologia estudamos conceitos de Identidade e Alteridade como parte da estrutura de pensamento de muitas culturas indígenas. A polarização entre Bem e Mal pode chegar aos extremos do chamado Maniqueísmo, que se originou na antiga Pérsia e até hoje influencia muito fundamentalismo de um lado e do outro de muros ideológicos que as nações constroem - para se diferenciar no jogo político-comercial ou para autojustificar heterogeneidades características a serem preservadas (em muitos casos chega a ser uma forma de Resistência cultural).

Na Amazônia, a atividade espiritual dos pajés no domínio de conhecimentos secretos de cada etnia, também impactou-se com o atrito social entre aldeias. Os pajés eram lideranças espirituais e lideranças culturais quanto ao domínio do cerne de suas etnofilosofias, cosmologias e conhecimentos etnobotânicos, e tanto construíam quanto podiam destruir alianças entre aldeias ou grupos familiares. As narrativas falam, por exemplo, que os pajés impunham temor, e se requisitavam a filha de alguém em conúbio, era obrigatório aos pais entregarem-na sob pena de atraírem a maldição do pajé se rejeitado. Contam de pajés que competiam entre si quanto a quem era mais forte ou sabido, e que isto chegou a causar muitas mortes feitas por feitiços. Oscar Calavia Saez nos conta, por exemplo, dos Jaminawa do Estado do Acre, povo aiauasqueiro, que eles sentem o pesar de terem perdido sua cultura porque os seus antigos pajés disputaram tanto entre si que acabaram se matando todos, sem que houvesse restado nenhum. Esta criação de antagonistas dentro da disputa permanente de espaço espiritual ou de um mandato espiritual sobre uma população, também aparece, por exemplo, na parte do Altiplano, onde “guerras entre bruxos” costumam surgir quando da disputa de mandato sobre uma “huaca” ou um local de adoratório tradicional como uma montanha ou um lago. Entendemos o fenômeno como uma espontânea contraposição de interesses, que no caso dos xamãs conduz a duelos à distância, utilizando energia metafísica e paranormal, com ou sem uso de substâncias potencializadoras da energia do pensamento, como a aiauasca ou o sampedro.

No caso da Cultura Acreana da Ayahuasca, como se convencionou englobar os grupos tradicionais bem como os grupos religiosos ou mesmo neófitos usuários dessa bebida etnoterapêutica no Acre, nunca houve disputa entre as instituições até os anos 70, quando cisões internas exacerbaram o sentimento de Protagonismo de cada grupo, destinando o papel de Antagonista ao seu discordante direto (seu não-concordante, melhor dizendo). A semente de discórdia gerou, em cada grupo, energias não compatíveis com a finalidade cristã à qual cada um estava orientado durante a existência de seu Mestre, energias contaminadas por sentimentos de ego, vingança e rancor. A demonização do grupo “rival”, a vontade de alcançar sua exclusão ou eliminação, se deu entre famílias antes irmanadas por um mesmo guia espiritual e que depois de seu falecimento não encontraram mais conciliação e terminaram divergindo. Como o local ou ambiente social que esses grupos compartilhavam era praticamente o mesmo, mais se contrapuseram entre si, numa disputa que deu margem a muito disse-me-disse, muita intriga, muita maldade e sentimentos de conspiração. O que não fazia parte da índole da própria Doutrina que professavam, pois instituição religiosa não é partido político que tenha que ter plataforma de campanha para angariar doações, e muito menos milícia espiritual que queira policiar, impedir ou censurar o intercâmbio fraterno entre indivíduos ou grupos familiares. Só a partir dos anos 90, com a realização do I Congresso Internacional da Ayahuasca, na Universidade Federal do Acre, surgiu uma “détente” capaz de reunir os diferentes grupos em uma mesa comum de discussão sobre seus temas de interesse, deixando de lado particularidades ideológicas para a atenção de metas em comum com relação à proteção legal da sua diversidade religiosa. Com o genérico de Ayahuasca, aceitaram estabelecer regras diplomáticas de convívio.

A demasiada exposição do atual ICEFLU (Igreja do Culto Eclético da Fluente Luz Universal) nos meios de comunicação, tanto para as boas quanto para as más notícias, lhe deram status de Protagonista da cena aiauasqueira no Brasil a partir dos anos 90. Um protagonismo que superava quaisquer antagonismos deixados no Acre, pois um protagonismo na cena nacional e internacional. Pois bem, mas “prego que muito se destaca é o que mais leva pancada”, diz o popular, e o ICEFLU foi objeto de algumas investidas bem armadas de membros que saíram da sua estrutura descontentes e desagradecidos por mágoas particulares. A emergência das redes sociais e dos grupos de discussão, fez de discussões internas do ICEFLU assunto público, acentuando deste modo sentimentos de autossuficiência e desprezo pelos protocolos de comunicação entre partes discordantes, pois tudo foi precipitado na torrente da web e o único controle possível era ignorar o que se passava do lado de fora. Desta situação se beneficiou um paulista, Emiliano Dias Linhares, que percebeu que tornando-se vozeiro dos antagonismos dispersos nos calhaus da mídia contra o ICEFLU, teria rapidamente tanto destaque quanto o ICEFLU, pois passaria a ser seu principal Antagonista. Subiu ao palco com o título de Xamã Gideon, dizendo ser o dirigente do ICEFLU um Anticristo, e se tornou imediatamente alvo da admiração de uma massa de carentes das grandes cidades que queriam uma aiauasca barata e cômoda para suas rodas de fogueira “xamânicas”. Vestida a fantasia, mesmo sem real conhecimento de base sobre a Doutrina do Mestre Irineu e a Doutrina do Padrinho Sebastião ou mesmo da cultura indígena da ayahuasca (o que se relevava porque, não se colocando como discípulo destes é compreensível como sem ser deles aluno quis ter chegado a professor), toda acusação por ele proferida contra o ICEFLU valeria como uma verdade absoluta pois perfeitamente composta dentro de seu papel de Antagonista, o que conquista certamente simpatias e dividendos. Em terra árida, mesmo água turva é bem vinda.

Às custas desses simpatizantes que nele vêem autoridade por se dedicar a uma Guerra Santa, a uma Cruzada da Fé Aiauasqueira contra o Dragão da Maldade e o Rei da Babilônia, o Xamã Gideon possui hoje toda uma estrutura de mando e comando, com representação em Brasília e inserção nas redes buscando para si um Protagonismo cuja única razão de ser seria esse mal engendrado Antagonismo. Em requintes que lembram as ações paramilicianas da Guerra Fria, chegam a fomentar uma rede de desafetos do ICEFLU para justificar o empreendimento de um combate midiático cuja única finalidade é a propaganda enganosa e o destaque às custas dos erros alheios, como vemos nesse conjunto de peças elencadas pelo espanhol Jorge Pérez em surto paranoico por uma série de desvairios. É uma “Opera Macabra”, a bricolagem de Jorge Pérez, onde se evidencia o perigo dos fundamentalismos e a necessidade de uma ética terapêutica específica para a Ayahuasca, como Deontologia necessária ao acompanhamento de pessoas vítimas de diversas sociopatias. É uma questão extremamente sensível, que tem de levar em conta todos os aspectos da Ética, quanto mais se tratamos de instituições que se autodenominam cristãs. Não, vocês que consideram o Xamã Gideon, esclareçam que não existe nem protagonista nem antagonista nesta cena, não há necessidade de vencedores nem de derrotados, não existe o enredo torpe que serve apenas às manchetes, o que existe no Astral é uma tessitura espiritual, onde estamos sendo todos devidamente avaliados e utilizados para um trabalho de harmonização, existe um equilíbrio entre carma e darma que está sendo refinado é nesta arte, e não há espaço para os fios podres da discórdia, que não sustentam marionetes por muito tempo nem permitem que se expressem com sua própria desenvoltura espiritual.

Fios de ouro são os fios da concórdia, estes se vêem só no astral, estes são escadas e são âncoras, deixam que bailem sem cordas senão as do coração. Cada um que dê conta do seu terreiro, cada terreiro que dê conta dos seus cada um. O irmão Irineu, o irmão Sebastião, eles não labutaram em vão para construir uma história digna da Doutrina, eles deram a própria vida por um imenso amor à humanidade e ao Cristo. Quem quiser fazer sua história própria, não queira construí-la sobre a ruína de outrem, pois é palavra que ninguém pode construir sua felicidade sobre a infelicidade dos outros. Um dom amaldiçoado, esse nunca dá em nada e sempre vai estar faltando para alguém; um dom abençoado, esse rende muito e nunca se acaba para ninguém. Curar os cristãos, para os caboclos que estão chegando, é curar chagas de dois mil anos de história do cristianismo. Não queira ver o outro como teu oponente, cuida primeiro de conhecer tua própria sombra, ou ela também se voltará um dia contra ti. São Francisco de Assis nos predicou a INOFENDIBILIDADE, e grande é a potência de não ser ofendível... Em vez de ganir para a Lua, melhor é cada um cuidar de seu setor sob o Sol. “Não tem bonito nem feio, ele ilumina a todos igual”!  

Conheçam também o artigo "Em defesa de Mestre Alfredo", em Cadernos de Hinário.



a.
1. Ref. ou inerente à morte ou aos mortos; que a expressa, anuncia ou evoca; FÚNEBRE
2. Que desperta horror ou medo (história macabra, figura macabra); TÉTRICO; SINISTRO
3. Diz-se da dança ritual em que a morte é representada com imagens e alegorias.
4. Ligado a coisas ou sentimentos tristes (pensamentos macabros); LÚGUBRE; SOMBRIO
sm.
5. Característica ou qualidade do que é macabro: o macabro no cinema de horror.
[F.: Do fr. macabre (de 'danse macabre')]

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