segunda-feira, 12 de março de 2012

The Vine and the Wine: A Vinha e o Vinho

Hartmann Schedel. Liber Cronicarum. Nuremberg:
Anton Koberger, 12 Julho 1493
Representação xilográfica de Noé bêbado e seus três filhos.

Toda civilização tem sua substância de recreação. As civilizações mediterrâneas surgiram como culturas de bebidas fermentadas, dentre as quais se destaca certamente o vinho da uva. Todas as civilizações conhecem a produção de álcool. No Egito e na Babilônia foram encontrados relatos de sua utilização, datados de 6000 anos atrás. Foram os árabes que além da fermentação, incluíram a destilação, aumentando assim a eficácia ou malefício das bebidas, na Idade Média, onde AL-GOL (Álcool) seria o nome de um demônio. No entanto, existe uma grande diversidade de atitudes diante das bebidas alcoólicas. Se para algumas as bebidas alcoólicas fazem parte do dia a dia (para o bem e para o mal) e das principais comemorações (além de constituírem importante fonte de renda e de impostos), em outras, notadamente a islâmica, as bebidas alcoólicas são estritamente proibidas.

As bebidas destiladas têm teor alcoólico mais alto. Todas as bebidas passam pela fermentação, produzida principalmente por leveduras. Mas algumas, depois disso, passam ainda por um processo de destilação, ou seja, os álcoois e ácidos orgânicos - responsáveis pelo odor e pelo sabor - presentes na bebida são transformados em vapor e depois, novamente em líquido. Assim, vão para outro recipiente, mas sem a água existente na bebida: como ela tem um ponto de ebulição mais alto, não evapora totalmente e o líquido resultante fica muito mais concentrado. É o caso, por exemplo, do uísque, da caninha e da vodca. O conhaque é o próprio vinho de uvas destilado após a fermentação natural. As bebidas fermentadas, como a cerveja e o vinho, têm, no máximo, 18% de álcool, enquanto as destiladas podem atingir até 70%.    

Os povos ameríndios produziam uma grande variedade de bebidas alcoólicas fermentadas (mais de 80 tipos) a partir de frutos, tubérculos, raízes, folhas e sementes. Na Amazônia Ocidental, a mais conhecida é o Masato, ou Chicha de Yuca. Neste sentido é muito importante conhecer o estudo de João Azevedo Fernandes, "Selvagens Bebedeiras: Álcool, Embriaguez e Contatos Culturais no Brasil Colonial" (disponível em pdf aqui). Nos anos 90, no Estado do Acre, uma Aldeia Ashaninka foi invadida pela Polícia Federal em busca de pés de ipadu, que era tradicionalmente utilizada como ingrediente do Masato kampa e obviamente nada tinha que ver com as políticas da War on Drugs , nem era usada para efeito entorpecente senão digestivo. Muito mais grave é a situação dos indígenas na região de fronteira onde bolivianos e peruanos também comercializam Metanol misturado a bebidas baratas. Tudo isto agrava a situação de aculturação e vulnerabilidade dessas populações tradicionais.

Em contraposição, os povos Pano e Aruák do Brasil já têm a Ayahuasca, que não é um "vinho" (um "fermentado", e sim um cozimento de essências vegetais com poderes psicoativos (uma das quais uma "vinha", ou a liana Banisteriopsis caapi). Não é uma substância de recreação, mas de autoconhecimento. Não é encarada como lazer, e sim como dever, como trabalho espiritual. Não representa uma embriaguez com privação dos sentidos, e sim uma embriaguez com amplificação dos sentidos. Não é uma mercadoria, e sim um produto cultural. Esta bebida foi incorporada pelos novos moradores da Amazônia do século 20, os seringueiros, como sacramento religioso. Passou a ser utilizada como hóstia vegetal, como ferramenta de cura, como ferramenta sócio-terapêutica. Alavancou comunidades e formou na região culturas rituais peculiares, com identidade própria e em interação com as culturas de seu tempo de modo singular. Após longo tempo de ocultamento, a partir do I Congresso Internacional da Ayahuasca, na Universidade Federal do Acre, em Rio Branco, a Cultura da Ayahuasca entrou em fase de autoafirmação na defesa comum dos interesses das comunidades aiauasqueiras, o que o estabelecimento de uma política cultural específica por parte do Governo do Estado, a partir de 1999, endossaria, conduzindo ao atual processo de registro desta cultura como patrimônio cultural imaterial da nação brasileira, e quem sabe, em um futuro não distante, reconhecida como patrimônio de toda a humanidade.

Talvez no futuro tenhamos uma Organização Internacional da Ayahuasca Amazônica na qualidade da Organização Internacional da Vinha e do Vinho (OIV), organização internacional criada em Abril de 2001, em substituição do Office International du Vin, uma instituição criada em 1924 e transformada em Office international de la Vigne et du Vin em 1958. A OIV é composta por 45 Estados membros e por uma região com o estatuto de observação (Yantai, na China), e existem ainda observadores permanentes de diversas organizações setoriais ligadas ao vinho e à vinha. A OIV define-se como um organismo intergovernamental de carácter científico e técnico de competência reconhecida no domínio das vinhas e do vinho, das bebidas à base de vinho, das uvas de mesa, das  passas secas e de outros produtos derivados da vinha. Este organismo tem como missão principal o aconselhamento e a padronização em apoio aos diferentes actores da fileira económica da viticultura, em especial na área dos actos normativos dos Estados membros. A organização orienta os seus trabalhos científicos próprios e pode participar em processos de regulamentação nos domínios vitivinícola e de sanidade e saúde pública.

Fontes: Vinum Essentia est VitaeTunnels of Gates .  Saibam mais em Villa Parasol , em Vinhos, Rios, Deuses e Civilizações - O Egito, de Alexandre Camanho de Assis, e também em Vinha, Homem e Vinho , por Irineo Dall´Agnol.

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