O pajé-mirim André Ixã Domingos, conhecendo o Caupuri cultivado no Distrito Federal, em visita ao Centro de Cultura Cósmica do Gama em 2008.
A etnofarmacologia
caracteriza os índios kaxinawás (Hunikuin) do Estado do Acre como tradicionais bebedores
do hayawaskha, cultura ancestral da região da Amazônia Ocidental. A
malpighiácea Banisteriopsis caapi é conhecida pelo nome de huní
(o “ser”), e classificada de acordo com suas propriedades no efeito do
hayawaskha, de modo que podemos configurar as seguintes variedades:
Banisteriopsis caapi var. icthys
Banisteriopsis caapi var. jagube
Banisteriopsis caapi var. mariri
Banisteriopsis caapi var. wakamayo
A variedade icthys é
conhecida como baka huní (cipó-peixe) por ter uma luz branca como efeito
da bebida.
A variedade jagube é
conhecida como shawã huní pela luminosidade dourada, amarela. É mais
comum na região do Estado do Acre, onde é conhecida como “caboclinho”,
“ourinho”, “jagube”.
A variedade mariri é
conhecida como shane huní pela luminosidade azulada. É mais comum no
Estado de Rondônia, onde é empregado pelos vegetalistas com o nome de “mariri”,
que em outras nações indígenas quer dizer “festa da natureza”.
A variedade wakamayo é
conhecida como nê huní pela luminosidade avermelhada. É mais comum no
Estado do Amazonas, onde é denominada cipó-arara, por ser mais amargo e vermelho
que os demais hayawaskhas. É cipó de terras firmes, distantes dos igapós, no
mais profundo das selvas. O nome “wakamayo” é o substantivo quechua para
“arara”.
Estas variedades etnobotânicas podem estar relacionadas a características de solo: neste sentido, a var. icthys é a que aparece nos solos alagados, a var. jagube nos solos que alagam na época das grandes cheias dos rios, a var. mariri em solos mais bem drenados e a var. wakamayo em solos mais firmes.
Estas variedades etnobotânicas podem estar relacionadas a características de solo: neste sentido, a var. icthys é a que aparece nos solos alagados, a var. jagube nos solos que alagam na época das grandes cheias dos rios, a var. mariri em solos mais bem drenados e a var. wakamayo em solos mais firmes.
Em 1905 o eminente
cientista brasileiro João Barbosa Rodrigues publicou pela Imprensa Nacional seu
“Mbaé Kaá – Tapyiyetá Enoyndaua” ou “A Botânica – Nomenclatura Indígena”, onde
identifica a sabedoria do conhecimento botânico dos nativos do Brasil e mostra
claramente que Caapi (Kaapiy) é gênero relativo às gramíneas (de Kaa,
erva, pi, pele, y fina, “pele fina de ervas”), pelo que fica
claro que Spruce ao querer informar-se do nome indígena do cipó da Banisteria
foi desinformado, sendo claro a importância sagrada do nome entre populações
indígenas: disseram-lhe que era “caapi” como quem diz “é mato”. A nomenclatura
deveria então ser necessariamente corrigida, pois o termo indígena para lianas (daonde a
palavra “cipó”) é ycypo. Curioso mencionar que Barbosa Rodrigues não soube
identificar a espécie correspondente a “cypó kytyka” (“cipó que limpa”), o que
nos remete ao aspecto purgativo do hayawaskha que estudamos. Haya = “amargo”, waskha = “corda, envira”: o nome hayawaskha em quêtxua (pronuncia-se assim o que lemos em espanhol quéchua) quer dizer mesmo Cipó Amargoso,
sendo portanto mais um adjetivo do que um substantivo (o nome próprio de
espíritos de muita força é sempre secreto, para ser pronunciado apenas nas
ocasiões certas).
No Iagé, a Banisteriopsis rusbyana (chacroponga), é a fonte de DMT do preparo , enquanto na Hayawaskha, a Psychotria viridis (chacruna) é quem complementa a transubstanciação na beberagem.
Na última década os centros religiosos produtores de hayawaskha no Brasil se interessaram pelo cultivo do Caupuri, variedade de Banisteriopsis conhecida pelos Hunikuin como tõko huní (cipó grosso), por produzir massa vegetal mais rápido em climas mais adversos como os de outras regiões subtropicais. Ignora-se, entretanto, se o receituário de preparo tradicional do hayawaskha com tõko huní incluiria outras plantas para seu consumo sem contra-indicações específicas, pois os Mestres fundadores desses centros não o utilizavam, e essa inovação de ter o Caupuri como substitutivo é bastante controversa. Apesar da parte floral da variedade caupuri ser similar à das demais variedades (em Rondônia existe Caupuri de flor amarela, cultivado em Ji-Paraná, mas inexistem análises genéticas para se descobrir se este Caupuri da flor amarela é o original tõko huní e os de flor branco-rósea são já híbridos entre variedades). O fato é que os feixes vasculares das variedades mais tradicionais são bem diferentes dos da variedade Caupuri, e isso exige um processo de maceração também diferenciado para seu aproveitamento.
Segundo Wade Davis, discípulo do grande botânico
norte-americano Schultes, que seguiu as pegadas de Spruce na investigação do
Caapi, todas as plantas existentes na Amazônia sul-ocidental (Peru, Acre e
Bolívia) são espécimes cultivadas, ou seja, são resultado de intercâmbios
anteriores. Há uma região delimitada na Amazônia equatorial onde existem
catorze variedades nativas de Banisteriopsis, e este foi o berço da Cultura do
Iagé há cinco mil anos. O Iagé é resultado da cocção do caule macerado de Banisteriopsis
caapi com as folhas do Banisteriopsis rusbyana (chacroponga), numa união adelfogâmica entre plantas da mesma
família. A substituição da chacroponga
pela chacruna (Psychotria viridis),
uma rubiácea (da família portanto do café e do mulateiro), se deu a partir da
margem direita do Grande Amazonas, e estabeleceu a Cultura da Hayawaskha
(Aiauasca ou Ayahuasca) paralelamente à Cultura do Iagé hoje presente na
Colômbia e Equador, e no noroeste do Amazonas brasileiro.
Conectados no processo histórico de valorização e
resgate das culturas tradicionais do planeta e sua ampla diversidade, os
indígenas brasileiros estão hoje dando os primeiros passos no caminho do
reconhecimento internacional de sua ciência etnobotânica e seu potencial
terapêutico para as mazelas tanto físicas quanto psicológicas da humanidade.
Estão apresentando sua Ciência, e esperam ver respeitados tantos os seus
direitos mais amplos, de utilização da própria cultura para benefício da
coletividade, quanto aqueles mais específicos, quanto aos seus direitos
intelectuais coletivos em relação à tamanha riqueza de conhecimentos.
Flores de Jagube: se transformam em sementes aladas para sua dispersão na natureza.
Leiam sobre AVANÇOS NAS PESQUISAS ETNOBOTÃNICAS NO BRASIL. Confiram também: LISTA WIKIPEDIA DOS POVOS INDÍGENAS QUE UTILIZAM AYAHUASCA
Um comentário:
Viva a Ayahuasca e seus benefícios que são milenares!
(www.umbandaime.com.br)
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